Apimentário | Corpo em Evidência

 

Há vinte e cinco anos, Madonna potencializava sua fama ao lançar o conceito de sensualidade com o álbum Erotica. A cantora quebrou barreiras ao expressar nas canções conceitos de feminilidade e liberdade sexual. O disco ganhou admiração maior por parte de comunidades homossexuais, pois enxergava ali um testamento contra a hipocrisia, puritanismo e preconceito.

Aproveitando-se deste frisson, o cineasta Uli Edel a convidou para protagonizar seu novo trabalho. O objetivo era promover uma fita de caráter libidinoso e o maior mérito seria conceber cenas de nudez e sexo sem nenhum traço de censura.

O soft-porn Corpo em Evidência a coloca como a principal suspeita num crime inusitado. Quando um milionário é encontrado morto em sua cama, as acusações caem sobre Rebecca Carlson (Madonna), a amante que aparece em imagens de sexo gravadas numa fita de vídeo. Levada ao júri, a acusação alega que o homem fornicou até a morte — vítima de ataque cardíaco consequente de uma noite intensa ao lado da jovem misteriosa. É então que entra o advogado Frank Dulaney (Willem Dafoe), disposto a defender e provar a inocência de Rebecca.

Sob esses sensos óbvios, a fita expõe a típica situação de um crime e exposição do processo de tribunal para promover seu intuito: evidenciar, ao máximo, o caráter dúbio da protagonista que se dispõe à comportamentos sexuais.

Obviamente, Rebecca envolve-se num jogo de sedução com Frank, deixando o contexto policial do roteiro em segundo plano. O texto de Brad Mirman é bastante frágil e não tem receio em concentrar sua intenção erótica. O objetivo é promover cenas provocantes da cantora em cena.

A verdade é que, como atriz dramática, Madonna demonstra insegurança por conta da artificialidade interpretativa. Entretanto, nas sequências onde potencializa os atributos libidinais da personagem, ela sustenta bem as cenas com interpretação dotada de malícia.

O público mais conservador pode se chocar com situações expressas no filme, já que o envolvimento de Frank com Rebecca condiciona-se num jogo de sedução no limite da violência e da transgressão sexual — logo sabemos que ela é uma mulher viciada e propensa ao sexo obscuro. É possível questionar a índole de um ser humano por conta disso?

O roteiro ainda abre espaço para a discussão sobre o papel da traição: Frank é casado com uma mulher pacata (Julianne Moore em papel um tanto tímido) e seu casamento entra em colapso por conta do seu tórrido affair com a cliente.

Inúmeras cenas exploram a nudez de Madonna sob uma fotografia que prioriza tons avermelhados, enquanto a câmera de Edel parece curiosa a examinar cada parte do seu corpo em closes ou plano-detalhes, isentos de inibição.

Rebecca representa uma mulher livre de repressões, por isso é permissiva à libertinagem e detesta o que há de mais conservador no terreno do ato sexual. E o filme mostra essa figura livre de tabus, predestinada aos múltiplos orgasmos, em busca de prazer.

Há uma cena bem provocadora: Madonna derrama a cera quente da vela sobre o corpo de Dafoe, que geme de tesão, dominado pela sensualidade de uma mulher dominadora. A sequência remete aos longas eróticos Emmanuelle, estrelados por Sylvia Kristel, na década de 1970. O momento traz uma forte carga de sensualidade, algo fetichista. A direção investe em cenas deste tipo e outras, ainda mais incisivas, como o take em que Rebecca masturba Frank dentro de um elevador lotado.

Madonna

Ainda que seja um roteiro mal delineado, já que quer investir mais em cenas sensuais, há espaço para expor o julgamento de Rebecca: fatos são explorados como forma de tornar dúbias suas intenções quanto ao assassinato. Seria ela vítima ou psicótica? O espectador tende a duvidar de seu caráter, assim como o personagem de Dafoe atesta sua moralidade.

Temos um filme que se propõe a ser erótico; nesse sentido, consegue satisfazer um público ávido por esse tipo de abordagem. Madonna convence como símbolo sexual, como uma persona dúbia de filmes noir, disposta a desnortear o ser masculino. Analisando sob esse viés, vale a conferida. Entretanto, a obra envelheceu ao longo dos anos, e nunca foi um exemplo de grande conceito de roteiro.

Nota: ★★☆☆☆

 

Ficha Técnica

Título Original: Body of Evidence

Ano: 1993

Direção: Uli Edel

Roteiro: Brad Mirman

Elenco: Madonna, Willem Dafoe, Julianne Moore, Joe Mantegna, Anne Archer

Fotografia: Douglas Milsome

Trilha Sonora:  Graeme Revell

 

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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