Passaporte | Custódia

O cinema já retratou inúmeras histórias de amor, realistas ou fantasiosas, além de relacionamentos abusivos ou excêntricos. Custódia entra no rol dos filmes que expõem uma dura realidade de muitas mulheres que sofrem após o término de um relacionamento, além de lidar com a guarda de filhos menores de idade. Composto na programação do último Festival de Cinema Varilux e com estreia limitada nos cinemas brasileiros, o filme é um retrato fiel do terror pós-término de um casamento pelo qual muitas pessoas passam.

Primordialmente, não conhecemos os motivos da separação do casal vivido por Léa Drucker e Denis Ménochet. O longa começa com uma audiência da guarda/custódia do filho menor de idade, Julien (Thomas Gloria) e em determinado momento a juíza ao questionar os fatos diz: “Quero ver qual dos dois mente mais”. E surge o mote do filme: o espectador passa a duvidar se realmente o ex-marido era tão abusivo ou se houve falta de diálogo no relacionamento. Com o desenrolar da trama, a tensão cresce e observamos a realidade dessa situação complicada sob o viés de Julien. Passamos a questionar o certo e o errado diante daquele caso, uma dualidade de sentimentos ataca o espectador.

Com um tom extremamente realista, Custódia transporta o espectador para uma situação incômoda, como voyeur de um relacionamento em frangalhos, que deixa marcas tão profundas e terrivelmente palpáveis. O diretor Xavier Legrand criou um poderoso longa de estreia que se espelha no cinema de Michael Haneké; no atual cinema romeno e nos dolorosos dramas gregos, ou seja, leva o espectador para uma rotina aparentemente normal, de narrativa lenta, em que explode um desfecho apoteótico.

A câmera de Legrand acompanha os personagens de perto. Denis Ménochet interpreta Antoine Besson, o ex-marido, inconformado com a separação e com a possibilidade de estar longe dos filhos. Apesar de inicialmente a ex-esposa alegar à juíza que ele era violento, passamos a questionar e até criar empatia por ele. Aos poucos, o personagem mostra comportamentos explosivos e que aquelas alegações podem ser verdadeiras. Um trabalho magnífico de atuação. Léa Drucker mostra uma mulher assustada e que no ato final exibe uma performance comovente e frágil; bem como o excelente garoto Thomas Gloria, de olhar expressivo e principal vítima (assim como a mulher) de um casamento arruinado.

Contido na direção, Xavier nos presenteia com sequências magistrais, como a cena em que ocorre uma festa familiar (misto de alegria com prenúncio de incômodo); o momento em que Julien vai para casa com o pai após o garoto ser interrogado veementemente; e a sequência final, que causa terror com silêncios e baques ensurdecedores. Cenas que são econômicas e não mostram virtuoses, mas que atraem pela simplicidade e eficácia.

Vencedor do Urso de Prata no Festival de Veneza 2017, Custódia é, provavelmente, o indicado mais forte para representar a França no Oscar do próximo ano. Trata de forma séria temas tão contundentes como o papel dos pais após uma separação, abuso doméstico e, principalmente, o quanto a criança sofre diante do esfacelamento de uma união parental. Os traumas que uma pessoa pode carregar, simplesmente quando os agressores não pensam nas consequências de seus atos em núcleo familiar, são intraduzíveis.

Nota:  ★★★★★

Ficha Técnica:

 

 

Custódia (Custody/Jusqu’à la garde)

Ano: 2017

Direção: Xavier Legrand

Elenco: Léa Drucker, Denis Menóchet, Thomas Gloria, Mathilde Auneveux

Roteiro: Xavier Legrand

 

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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