Brazuca | As Melhores Coisas do Mundo

O momento da puberdade expõe transformações físicas e psicológicas. A adolescência se caracteriza como sinônimo de indecisões, fragilidades, descobertas sexuais e problemas existenciais.

Como lidar com mundos tão distintos? Ou melhor: como aprender a entender o que habita o próprio mundo interior? As Melhores Coisas do Mundo reflete a adolescência com esses anseios, juntamente com conflitos e turbilhões emocionais, trazendo discussões pertinentes da atualidade. O filme tem direção de Laís Bodanzky, com roteiro do seu parceiro (e também marido) Luiz Bolognesi, inspirado numa série de livros escritos pelo jornalista Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto.

O argumento foca na trajetória de um mês na vida de Hermano (Francisco Miguez), um jovem de 15 anos, pertencente à classe média de São Paulo, que vivencia a atmosfera melancólica e a as mudanças pessoais dentro do lar quando seus pais (Denise Fraga e Zé Carlos Machado) se separam. Aproveitando-se deste recorte, o roteiro trata de abordar, além das perspectivas do protagonista juvenil, situações como laços familiares, depressão e também dilemas sexuais.

Com uma linha narrativa bastante ágil, onde os personagens parecem confrontar-se com seus próprios problemas e desejos, a linguagem da juventude ganha contornos inteligentes. É nítido como Bodanzky mantém um exercício de direção cuidadoso, um olhar profundo em seus personagens juvenis que são representações reais de uma sociedade libertária, capaz de gritar as próprias verdades, em busca de sonhos e idealizações próprias.

São jovens expondo seus pontos de vistas, espécie de pequenos contextos da realidade. O roteiro de Luiz Bolognesi é consequente de inúmeras pesquisas realizadas com diversos adolescentes. Por isso, o trabalho consegue ser surpreendente. Interessante como o foco foge dos habituais estereótipos tão temáticos em filmes do gênero juvenil, permitindo mais argumento na sensibilidade da puberdade; a voz da juventude brasileira.

Como um mosaico humano — não só temos adolescentes retratados, mas um retrato sobre pais em geral —, a fita prioriza os conflitos além da faixa etária da puberdade. Antes de tudo, um olhar sobre a sociedade que insiste em mascarar problemas dentro dos próprios lares, que parece não exercer a compreensão em relação a um jovem. Afinal, nem todo adolescente é sinônimo de desajuste e delinquência. Há muitos antenados, interessados em modificar uma estrutura social; pessoas que se preocupam com o que ocorre a sua volta. Há os alienados estruturais também. Mas, no filme, compreende-se o lado positivo.

A sexualidade é pautada não só na experiência vivida por Mano. Os coadjuvantes interferem e crescem na narrativa junto com ele. Enquanto nosso protagonista vivencia os dilemas de seus primeiros contatos com o sexo, a problemática invade a esfera de seu universo: o garoto enfrenta a descoberta da sexualidade do pai, já que este sai de casa e revela que namora um homem. Como entender que a homossexualidade também merece respeito? Temos um filho desconfortável e inseguro com a desconstrução da figura de pai idealizado, tendo dificuldade de aceita-lo como é.

E o roteiro evidencia como muitos heterossexuais costumam dizer que respeitam gays, porém não compreendem quando há manifestações dentro da própria família. O velho hábito do discurso teórico? Típico da sociedade negar o que está ao seu lado. Para piorar, nosso protagonista também sofre preconceito dentro do colégio onde estuda, por ter um pai homossexual assumido.

A homofobia ganha contornos em personagens secundários, como uma aluna lésbica que estuda no mesmo colégio de Mano. E é nesta instituição escolar que outros jovens são delineados para expor um panorama comportamental da juventude brasileira: há representações da alienação juvenil; conflitos provenientes da virgindade e também das influências das drogas; há as determinações dos preconceitos que cicatrizam as esferas sociais.

O tema do cyberbullying ganha maior evidência, um tipo de violência que atinge maiores índices de crescimento diariamente; assim, o roteiro efetiva a discussão da invasão de privacidade e da falta de ética humana em agredir mais e mais pessoas.

E Laís Bodanzky amplia seu olhar ao compreender que seus jovens são reais e também sofrem de amor ou são sufocados pelos estímulos dos sintomas da depressão — como Pedro (Fiuk), o irmão de Mano, que é trocado por outro pela namorada. Ele representa um jovem inseguro que não consegue mais viver sem a dependência de uma pessoa ao seu lado. Em função disso, utiliza um blog para expor seus pontos de vistas e sofrimento. Pedro é a personificação de alguém que não quer mais viver, puxando o mote do suicídio para o debate, tema tão doloroso e controverso na atualidade, mas que ganha exemplificação no filme de forma plausível.

Há ainda espaço para discussões sobre assédios sexuais de professores e alunos. Caio Blat é o professor que tem sua ética profissional diagnosticada ao ser acusado de aliciar sexualmente a jovem Carol (Gabriela Rocha), amiga de Mano. Tais provocações do longa colocam o espectador para próximo desta crítica social que tece.

E a linguagem proposta pelo roteiro e direção mantém equilíbrio entre drama e humor, sem perder o ritmo da gama de provocações e problemáticas que cria através dos personagens retratados. A trilha sonora com canções dos Beatles e contribuição instrumental de Arnaldo Antunes, por exemplo, permitem um verniz musical para dialogar sobre esse protagonista juvenil e representar a adolescência.

Temos um filme bem atual, ainda que leve, mas de pontuações dramáticas que promovem ótimas reflexões. A linguagem é juvenil, mas dialoga com o espectador geral. E isso, nosso cinema brasileiro sabe fazer de forma criativa e real.

Nota: ★★★✰✰

Ficha Técnica

Ano: 2010

Direção: Laís Bodanzky

Roteiro: Luiz Bolognesi

Elenco: Francisco Miguez, Caio Blat, Denise Fraga, Fiuk, Zé Carlos Machado

 

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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