Miss in Scene | Barbarella
No interior de uma nave espacial, estofada de pelúcia e adornada por elementos kitsch, ao som de uma balada pop sessentista, em zero gravidade há um corpo feminino flutuando. Bridgett Fonda se despe, lentamente, brincando com cada peça de seu uniforme espacial. Assim é a abertura de Barbarella, primeiro filme de ficção científica protagonizado por uma heroína.
Casada com o diretor (Roger Vadim) na época, Fonda era um dos ícones de beleza. Nada mais apropriado então do que estar à frente da representação da heroína dos quadrinhos franceses, criada em 1962 e ilustrada por Jean-Claude Forrest. O filme “B” se tornou um ícone feminista da época, por apresentar ao espectador uma mulher libidinosa e livre.
A sensual loira cosmonauta se encontra em um futuro distante, no qual a violência e todo o mal que assolava a Terra foi erradicado. As relações “interuniversais” são diplomáticas e todos pregam a paz. Sua missão é a de capturar o cientista Durand-Durand que criou uma arma letal, que pode acabar com a paz universal, e se esconde em um planeta desconhecido.
Barbarella chega a ser paspalha de tão inocente em algumas situações. Esse excesso de “apatia” se deve à inexistência da maldade. Ali, tudo é bom e tudo dá certo. Ela não precisa se preocupar com grandes problemas e, com isso, em sua aventura é levada a descobrir meios novos de prazer.
O filme e o quadrinho são feitos no auge do movimento paz e amor. O ideal de liberdade e não violência, em voga no momento da produção do filme, permeia toda sua narrativa — Barbarella é a autêntica girl power da segunda onda feminista. Tem uma profissão e é valorizada por ela. Sente desejo e não precisa de uma relação amorosa para saciá-lo. A segunda onda feminista é caracterizada, também, pelas discussões acerca da sexualidade feminina, assunto evidente em todo o filme.
Atualmente, discutimos a hiperssexualização do corpo feminino no cinema e em outras mídias, mas é importante entender qual era o pensamento no período em que o filme foi produzido. A exposição do corpo de uma mulher, de maneira a dar-lhe crédito e liberdade para suas investidas sexuais — que partem do desejo dela —, são um grande passo. Barbarella não é um objeto, pois ela está no controle de seus atos e explicita-os de maneira a chocar até quem se acha preparado para lidar com o tabu da existência da sexualidade feminina.
Ao longo da narrativa, a heroína se delicia com os corpos masculinos, com os quais se depara, mas estes não são o seu foco. O mais próximo que temos do que podemos denominar pseudo-romance é seu interesse em salvar Pygar (John Phyllip Law) das garras da imperatriz maléfica. Mas essa “operação resgate” pode ser vista como ato de justiça de uma pessoa que acredita na paz e protege os que são vítimas das forças opostas.
Ela não precisa lidar com nada que a amarre a normas. Inclusive ela as quebra. Por vir de um planeta no qual o ato sexual se converteu em uma experiência psicossocial, viabilizada pelo uso de pílulas (quase um tantra farmacológico), aceitar viver aquela “prática comum de pessoas bárbaras” demonstra que ela cria suas próprias regras. Esses ideais foram essenciais para que as discussões sobre a libido feminina fossem discutidas. Com isso, se discute também os direitos das mulheres sobre seus corpos, relações de assédio e maneiras de pensar que as condenam por sua postura, isentando as relações de abuso e poder de uma construção sociocultural patriarcal.
Barbarella é um ícone até hoje pelo fato do empoderamento sexual de uma mulher ser um assunto que não deixou de ser tabu. Assim como ela, há por aí várias cosmonautas futuristas quebrando as máquinas da sociedade que se porta como Durand-Durand.