Sharp Objects

Bem-vinda ao lar. Ao voltar para sua cidade natal, Camille Preaker estaria colhendo dados para uma reportagem ou montando um quebra cabeça de sua própria vida? Essa é a premissa da mais recente mini série policial da HBO, dirigida por Jean Marc Vallée e adaptada do best- seller de Gillian Flynn.

Em um primeiro momento parece não haver muito a dizer. O ritmo arrastado pode não agradar a muitos espectadores, mas é importante lembrar que essa lentidão é um elemento essencial para a narrativa, pois permite a abertura de camadas que vão expondo a personagem de Amy Adams. Essa falta de fluidez em algumas cenas passa a dizer muito sobre a cidade e sobre a protagonista: ambos estão presos ao passado e parecem ter dificuldade de seguir em frente.

Eu nunca terei uma casa

Camille é uma mulher com traumas não resolvidos, materializados em sua vida adulta, na forma de uma pessoa problemática que se auto mutila como forma de usar a dor física para suportar o sofrimento emocional. Faz da pele um espelho da alma corrompida. No comando dessa complexa persona, Amy Adams prova, mais uma vez, sua versatilidade como atriz. Densa, sem truques ou caricaturas, ela encarnou uma pessoa cheia de camadas que se revelam pouco a pouco para entregar um vislumbre da personalidade de Camille e os impulsos que movem seu comportamento.

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Esses choques de realidade que a provocam são nada mais que gatilhos para mais memórias desencadeadas. Tudo está vivo na expressão corporal da atriz; todo o peso e culpa apoiados no semblante e corpo abatidos. A força de sua presença é tão significativa que o nome dela aparece antes mesmo do título da série, logo na abertura. Patricia Clarkson e Eliza Scanlen estão nas pontas desse poderoso triangulo feminino de atuações, mas merecem análises separadas.

AVISO: Zona de spoiler.

Uma criança criada com veneno considera dor um conforto

Dentre tantos méritos técnicos que a série entrega, o design de produção e fotografia são elementos impecáveis que só enriquecem cada um dos episódios. A mansão em estilo vitoriano dos Preaker é um belo exemplo desse esmero todo. Tal como a casa de bonecas de Amma, tudo ali tem um significado e parte desse conceito está no papel de parede que adorna o hall de entrada do casarão, que tem muito mais a dizer do que parece. O tom verde da estampa é o chamado “verde de Scheele”, um pigmento composto por cobre e arsênico (elemento utilizado na composição do veneno de rato), que era conhecido como a “cor da morte” na era vitoriana. Além do papel de parede, essa cor aparece em outros momentos da série como se fosse uma pista para o que estava prestes a ser revelado.

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Your Love is Killing Me

Tudo é elemento condutor em Sharp Objects, mas a trilha sonora ganha um destaque enorme por conseguir levar a composição dos personagens a outros níveis. Camille e seu tom desvirtuado são embalados por canções do Led Zeppelin em um Ipod de tela quebrada, que a levam de volta para memórias doloridas. Assim como acontece com Amma e Alan, o gênero, ritmo e letra têm muito a dizer sobre personagem e trama, mas é preciso estar atento aos detalhes.

Don’t tell mamma

Conforme as camadas são reveladas, os plots vão surgindo e motivações vão aparecendo, translúcidas sob suas personagens, mas nem tudo é revelado de forma tão explícita e algumas pontas podem ficar soltas para espectadores mais atentos ou para aqueles que sentiram no livro uma abordagem mais completa. Na cartada final, Vallé entrega, em um só golpe, a assassina por trás das mortes em Wind Gap, usando de duas cenas pós créditos (ou entre créditos), para complementar a revelação. Talvez, numa narrativa tão cheia de detalhes e tom arrastado, o final tenha parecido desassociado com a proposta atmosférica do início; abrupto e revelador em demasia, não permitindo a possibilidade de outras interpretações.

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Eu cuidei bem de Amma por causa da gentileza? Ou gostei de cuidar de Amma por ter a doença de Adora?

Quando sobem os créditos do oitavo episódio, o que se entrega é uma série com roteiro coeso que procura dialogar sobre as camadas de violência feminina que se espalham como um vírus entre as gerações. A racionalidade que não acompanha o sentimento e cultiva um amor que machuca para se autoafirmar. No fim, o objeto que oferece maior perigo não é aquele que corta a pele, como sugere o título. O perigo real vem servido junto ao mel, ao infantil zelo materno; colheradas do perverso amor que Adora tinha a oferecer.

 

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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