Apimentário | A Consequência

“Ser homossexual é viajar por uma pista cheia de obstáculos. Porque as pessoas procuram maneiras e sempre podem arruinar a sua vida. A dificuldade da sociedade em compreender a sexualidade.”

A agrura de ser gay, a falta de respeito e o preconceito como um estigma. Este contundente filme do final da década de 1970 é um trabalho que destranca as perspectivas da homoafetividade. Poucas foram as produções que procuravam esmiuçar as problemáticas que envolvem o universo queer. Dirigido por um então desconhecido Wolfgang Petersen, cineasta alemão que hoje é mais lembrado por produções de ação e aventura, é um filme bastante singelo e emocional.

A Consequência teve êxito discreto na Europa quando foi lançado, mas tornou-se cultuado posteriormente, principalmente após o lançamento em DVD.  Mais que um debate sobre as questões da homossexualidade, a fita introduz elementos muito mais provocativos e de sensibilização humanística.

O roteiro apresenta ao público a característica principal que é o romance entre dois homens. Martin (Jürgen Prochnow) é um ator suíço que é condenado a cumprir uma pena por ter se envolvido sexualmente com um menor de idade. Logo no início, a narrativa evidencia o caráter sensual e até libidinoso deste indivíduo. É um homem que não esconde que é gay e, por isso, recebe a indisposição social — além de ser visto como pervertido, já que teve um caso com um rapaz de apenas 15 anos de idade.

Petersen preocupa-se em mostrar um pouco da personalidade deste ser dentro da prisão; sua ocupação em produzir e atuar em uma peça de teatro feita dentro da instituição para apresentação aos familiares. Durante um destes ensaios que vem a conhecer o filho do carcereiro, Thomas Manzoni (Ernst Hannawald).

Eis que um se interessa pelo outro. Martin torna-se o objeto de tesão e “paixonite” sob um frágil e aparentemente virginal Thomas. A aproximação dos dois é muito bem construída, através da forma como ambos se conhecem durante os ensaios; nos olhares maliciosos de Thomas para o outro ou mesmo quando este indaga sobre a sexualidade de Martin, num ato que precede ao flerte. O público já sente, ali, um provável romance sendo despertado e conquistado.

Então, a narrativa atinge níveis mais provocativos: Thomas se insinua afetivo e sexualmente para Martin — o garoto se esconde dentro da cela e se mostra disposto a passar uma noite com o prisioneiro. A partir desse sentido, A Consequência articula seu posicionamento romântico e atesta o prelúdio de um envolvimento que há de ser problemático e carregado de dor.

Não só por ter levantado a bandeira homoafetiva em pleno final da década de 1970, mas temos um filme bastante ousado por levantar traços comportamentais e relações densas no âmbito LGBT+. O filme não elucida somente o posicionamento carnal de dois homens, mas, fomenta uma reflexão sobre a dificuldade em aceitar-se como homossexual dentro de uma sociedade predatória e cheia de falsos conservadorismos, tabus e receios.

O conflito que ocorre a partir do momento em que o “garoto de família”, Thomas, revela sua intenção de viver ao lado de alguém do mesmo sexo, cria um desequilíbrio dentro dos pilares do machismo e patriarcalismo discriminatórios. O personagem recebe o “estigma na pele” que todo gay quase sempre vivencia. É possível um homossexual amar e ser amado? Como viver socialmente tranquilo com o outro sem sofrer repúdio? São perguntas que o público consegue enxergar através dele.

O tom dramático narrativo acentua a relação nervosa de Martin e Thomas — se o primeiro representa o homossexual livre de seu destino, o segundo sofre pelas consequências de suas escolhas; daí o tal sentido do título. Wolfgang Petersen submete seus personagens a um sistema melancólico: Thomas é mandado para uma instituição psiquiátrica e vem a sofrer todo tipo de maus-tratos, do psicológico ao físico. E o que parecia ser um conto sobre sexo e amor gay, passa a ser uma crítica à condição da liberdade humana.

Através de uma direção intimista que permite que os dois atores sejam mais emocionais em cena — tanto Prochnow quanto Hannawald mantêm uma bela química —, temos um estudo de representação sexual e social. Acima de tudo, o discurso sobre as ofensas da sociedade contra à comunidade homossexual.

E Wolfgang Petersen, ciente da importância de seu filme, propôs uma odisseia intimista sobre dores e dilemas pertinentes, com muitos closes estampados nas faces dos dois protagonistas —talvez, para captar não só o sofrimento, mas a emoção que assume um lado genuinamente real, sem adornos e tons melodramáticos. Sob uma fotografia em preto e branco, é, de fato, um trabalho que emociona.

Nota: ★★★★✰

Ficha técnica:

A Consequência (Die Konsequenz)

Ano: 1977

Direção: Wolfgang Petersen

Roteiro: Wolfgang Petersen, Alexander Ziegler

Elenco: Jurgen Prochnow, Ernst Hannawald

Trilha sonora: Nils Sustrate

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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One thought on “Apimentário | A Consequência

  • 13 de julho de 2020 at 17:08
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    Gostei da matéria sobre o filme, pois acabei de ler o livro e estou não consigo ter paz por saber que o dois não ficaram juntos!
    Alguém sabe se teve uma carta ou algum desfecho sobre os dois depois que o livro foi publicado?
    E também algum link para baixar o vídeo, pois não achei no youtube.

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