Maniac

 

Cary Fukunaga dirigiu uma das melhores séries limitadas dos últimos anos chamada True Detective (ganhou até o Emmy pelo trabalho), além de ter sido responsável pela direção e pelo roteiro de estreia da Netflix em longas-metragens com o ótimo Beasts of No Nation. Devido a esses fatores e seu inegável talento, a empresa norte-americana confia mais uma vez nesse artista com Maniac — uma série limitada multifacetada e que traz mais questões que respostas.

Em sua superfície, a trama é bem simples: duas pessoas, ambas com seus problemas pessoais, concordam em participar de um experimento farmacêutico para adentrar em suas cabeças, visando curar doenças. Porém, o que se nota, é uma maior preocupação com os temas desafiadores que as situações implicam do que meros arcos amorosos e coisas do tipo.

Enquanto Owen (vivido por Jonah Hill) é um homem esquizofrênico, mas deveras reflexivo e introspectivo, Annie (interpretada pela vencedora do Oscar de melhor atriz Emma Stone) “rouba” Maniac para si, conseguindo extrair uma gama de sentimentos como dor, culpa, arrependimento e tristeza através da sua atuação.

Se por um lado o personagem masculino quer acabar com a infelicidade e angústia que convive (o mesmo, nos primeiros episódios, tenta se suicidar quando relembra o pior dia da sua vida), além de ter uma família bastante prejudicial para seu estado mental; a protagonista, por meio da droga chamada apenas de “A”, relembra constantemente da dor da perda de sua irmã. Ou seja, no lugar de simplesmente esquecer a tragédia, o fato de reviver o momento, a faz lembrar que está viva e, revelado mais tarde, de conversar com ela. Portanto, a culpa pelo ocorrido é gigantesca, mas a vontade de querer se relacionar com sua irmã mais nova (mesmo que por pouquíssimo tempo numa situação em que já sabe o que irá ocorrer) supera esse essa sensação excruciante.

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Com isso, os dois, em essência, são indivíduos solitários que buscam uma maneira de conexão. A ironia reside no fato de estarem inseridos num futuro (que se assemelha, em muitos aspectos, com Blade Runner: O Caçados de Androides e Brazil: O Filme) cyber punk retrô bastante tecnológico, mas que não há real interatividade entre os humanos — o criador de toda a pesquisa (interpretado pelo excelente Justin Theroux) torna a inteligência artificial uma imitação de sua mãe e realiza atividades sexuais por meios virtuais; seu substituto possui uma relação íntima com essa mesma inteligência artificial e o pai da protagonista se isola através de um produto, por exemplo.

O diretor-roteirista prova sua maturidade artística com a criação de seus personagens nessa diretriz. O mundo avança em vários campos científicos, mas a relação entre os seres que estão nele é burocrática e preocupante (o cientista e sua mãe não se comunicam em anos) porque, como o genial monólogo já nos diz, toda e qualquer forma de criação se baseia em conexões. Então, esse abismo entre o avanço tecnológico com a falta de empatia e até mesmo solidão humana se interliga, tematicamente, com a obra-prima 2001: Uma Odisseia no Espaço.

Com isso, o desenvolvimento temático que aborda a distopia através da ficção científica é concretizado com eficiência, flertando com a sátira e o humor negro por diversas vezes — uma vez que certas situações absurdas geram uma comédia intencional, mas que provoca o riso frouxo, como também risos constrangedores para o espectador.

A referência a Dom Quixote (a obra literária mais famosa de Miguel de Cervantes), que aparece na casa da protagonista e o fato de ser mencionado num dos sonhos em que buscam o capítulo final perdido, é elegante e sutil. O personagem de Jonah Hill, em seu início, se acha o herói da história, no qual tem um papel importante ainda a desempenhar, ligando isso com a ideia de que a figura principal do livro também acha ser isso, mas que é ironizado e nunca levado a sério. Ambos são heróis, mas completamente fora de seu próprio tempo.

A logo da empresa que realiza todas essas pesquisas é o arco-íris e, apesar de ser possível várias interpretações para sua simbologia, podemos afirmar que pode representar a própria subjetividade da mente e, consequentemente, da série. Oras, o arco-íris existe, mas o fato de visualizarmos “pregado” no céu é uma ilusão que depende apenas do ponto de vista do observador — logo, esse conceito é estendido à complexidade da mente, porque a recriação do pior dia da sua vida, por exemplo, ou a descoberta de algo que seu cérebro esconde para prezar a saúde e, por consequência lógica, a sobrevivência, são elementos que existem ou já existiram, mas que agora depende de certos fatores, incluindo a mencionada subjetividade para serem recriados.

Além disso, as cores (seja no cinema, pintura ou qualquer outra forma de arte) representam algum significado em relação aos sentimentos. O arco-íris possuir múltiplas cores e o recinto em que os testes são realizados serem “inundados” por essas colorações também podem significar a complexidade e confusão dessas sensações.

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O final é uma alusão ao tema principal da série: a conectividade. Se escutamos o monólogo do início dentro de um carro indo para o lado esquerdo da tela, o carro que leva os dois protagonistas vai no sentido oposto; ou seja, o começo encontra momentaneamente o final, quase como se fosse um fluxo transitório de pensamentos e ideias.

Como se não bastasse, esse mesmo final (que aparenta ser feliz) pode ser também uma ilusão. No episódio 6, em certo momento, Owen afirma que sua fantasia seria ele e Annie fugindo num carro e o final é exatamente isso, dando margem (a tudo que visualizamos após o aparente sucesso do experimento) daquilo ainda ser uma possibilidade criada pelo cérebro — podendo ser por causa da droga ingerida ou por estarem presos dentro daquele cenário pela falha do experimento. Assim, o dilema é questionado: melhor viver numa realidade decadente e infeliz ou num sonho em que tudo que se acredita é possível?

Mesmo com todos esses avanços em vários campos, ainda somos falhos como seres humanos pela degradação do afeto e até mesmo com o crescimento do desinteresse. E Maniac nos convida a refletir que, apesar de não termos nem metade das respostas para todas as perguntas que indagamos, a solução definitiva está dentro de nós mesmos.

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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