Persona | Calvin Candie (Django Livre)
Em 2008, iniciou-se o falatório de que Leonardo DiCaprio havia sido escalado para um papel em Bastardos Inglórios. Infelizmente, por motivos de agenda, sua primeira parceria com Quentin Tarantino teve que ser adiada por mais alguns anos. Mas a espera valeu a pena. Eis que surge Calvin J. Candie, o único vilão propriamente dito da carreira de DiCaprio, até hoje; a personificação da soberba com traços de sadismo no filme Django Livre.
Calvin Candie é o dono de Candyland, a quarta maior plantação de algodão do estado do Mississipi. Um homem ganancioso, avarento e de gostos peculiares: apaixonado por tudo que vem da França — apesar de não saber falar uma palavra de francês —, prefere ser chamado de “Monsieur Candie”; alimenta seu prazer por violência e sangue frequentando as chamadas lutas de Mandingos no The Cleopatra Club, onde também faz negócios.
Tão podre de rico quanto de espírito, é um escravocrata orgulhoso. Acredita que os brancos são mais inteligentes e que os negros nasceriam pré-condicionados à servidão, ponto que tenta provar chegando a serrar o crânio de um ex-escravo que, bizarramente, guarda em casa.
A sede de sangue que sacia seu ar de superioridade é nítida desde sua primeira aparição. Calvin não se choca com nada. Enquanto acontece a luta onde o conhecemos, é perceptível o semblante incômodo de Dr. Schultz (Christoph Waltz), e de outros personagens no recinto, com o nível de violência. Mas não Calvin. Para ele, quanto mais brutalidade e selvageria, melhor. Ele sorri, vibra e não hesita em ordenar que o embate se transforme em uma carnificina, entregando um martelo para que o perdedor seja “finalizado”.
A construção que DiCaprio deu ao personagem é perfeita. Seu sotaque sulista é mais elegante, revelando um homem de posição financeira privilegiada e bem educado (mais pose que cultura, como um verniz ilusório sobre sua ignorância, uma camada fina de tinta). É vaidoso, está sempre vestido de forma impecável, usando seus vários anéis de pedras enormes nas duas mãos que tanto gesticula enquanto fala. Seus gestos são leves, refinados, por vezes até delicados, o que contrasta com sua personalidade. Porém, já diz a frase atribuída a Leonardo Da Vinci: “os olhos são a janela da alma”. E ali está um olhar de constante soberba.
A arrogância é tanta que Calvin costuma olhar as pessoas medindo-as de cima a baixo. Um sorrisinho debochado também não sai do seu rosto, o que combina com seu tom sarcástico. Ele sente que não tem tempo a perder com os outros, mas exige atenção quase que como uma criança mimada. Aliás, ele deve mesmo ter sido muito mimado, já que está acostumado a fazer as coisas sempre do seu jeito e não pode ser contrariado — e, à sua volta, estão várias pessoas que evitam que isso aconteça, além de serem puxa-saco profissionais: o advogado, a irmã…
Mas o bajulador-mor é Stephen (Samuel L. Jackson), o velho escravo da casa a quem Calvin trata com extrema condescendência; mas, ao mesmo tempo, uma das únicas pessoas a quem escuta e parece confiar. É através dele que o fazendeiro descobre estar sendo feito de trouxa por Schultz e Django (Jamie Foxx), e então uma chave é virada: sai o homem simplesmente debochado, que gosta de humilhar e testar as pessoas; entra um ser monstruoso que faz questão de chocar. Não são mais risos e adulações que ele quer de sua plateia; o interesse, agora, é por olhos arregalados e cabeças baixas. O sádico aflora novamente.
Em uma das sequências mais eletrizantes do filme, Calvin solta sua ira. Durante o ataque de fúria, DiCaprio chegou a cortar de verdade a mão esquerda, ao bater na mesa esmagando uma taça, o que não foi suficiente para tirá-lo do personagem. A cena prossegue, com “Monsieur Candie” aos berros, deixando de lado a pose de pompa e elegância que sempre o acompanhavam, mas ainda absurdamente arrogante.
Seu temperamento apenas volta a se abrandar quando consegue o que quer. Mas arrogância e orgulho ferido é uma combinação perigosa. Exatamente os principais traços de sua persona, são também a sua ruína.
Uma atuação complexa e de total entrega de Leonardo DiCaprio, que merecia ter sido mais celebrada e premiada. Um verdadeiro estudo de um lado sombrio da humanidade, através de um personagem encerrado nas sombras do próprio ego.
Eu definitivamente não descreveria melhor. Muito bom!