Brazuca | Elena (2012)

O documentário com múltiplas camadas de Petra Costa representa os meios pelos quais a cineasta, pela primeira vez, aceitou a vida, o legado e depressão de sua irmã mais velha. Muito tempo depois de Elena se mudar para Nova York, para seguir carreira no cinema, Petra se mudaria para Manhattan, para estudar teatro na Columbia University.

Embora fosse um desejo o estudo cênico, havia um motivo maior e oculto em sua decisão: refazer os passos que levaram à depressão irreconciliável de sua irmã e, mesmo não tão exposto, fazer um filme sobre essa trajetória. Petra combina cenas da cidade em Super 8 com vídeos caseiros, montagens, locuções em português e inglês, e trechos das fitas de áudio que Elena lhe enviou, transformando o filme em uma dupla narrativa, que em alguns momentos se fundem em uma pessoa só.

No começo da fita, Petra nunca se mostra inteira. Está sempre fora de enquadramento, com o rosto borrado, de costas ou escondida em algum frame. Há um motivo especial para isso. Explico depois. Esse primeiro momento é reservado à apresentação de Elena, através das inúmeras filmagens e anotações rabiscadas num caderno. Ela reconstrói o passado da irmã, antes do nascimento, e cita a gravidez de sua mãe como a razão pela qual os militares não executaram o casal comunista por protestarem contra o governo.

Quando menina, Elena queria filmar e ser filmada. Recebe uma câmera de presente em seu aniversário de treze anos. Todo esse material torna o projeto de Petra um álbum vivo que traz sua irmã de volta à vida, entre recortes e frames do convívio familiar. Aos 17 anos, ela sai de casa para atuar, primeiro em São Paulo e depois em Nova York.

Nos EUA, teve aulas de voz e dança, mas os papéis eram escassos. Isso a deixa frustrada. Petra e a mãe se juntam à Elena em Nova York no momento em que a depressão começava a queimá-la por dentro. A triste ironia é que suas fitas revelam uma mulher que tinha jeito com as palavras, fazendo parecer que ela sentia falta de sua verdadeira vocação: ser escritora.

Na família de Petra, a depressão foi uma constante, passando de geração para geração, e todas atadas à frustração de não ter sido aquilo que se quis. Sua mãe sonhava em ser atriz de Hollywood e beijar Frank Sinatra, mas o regime militar lhe cortou as asas e a tornou foragida. Uma menina triste, de olhos tristes; Elena desenvolveu depressão quando percebeu que não tinha o talento que a indústria cinematográfica exigia; Petra viveu à sombra do ocorrido com a irmã, num estado constante de dúvida e insegurança. Três gerações tocadas pela tristeza.

Depois do ocorrido com sua irmã, Petra passa a examinar o que aconteceu. E aí, a terapia fílmica se confirma, quando a cineasta pergunta a si mesma: “qual é o meu papel nesse filme?”. Imagino que quando começou, ela não sabia ao certo onde chegaria, mas, com o andar do projeto, percebeu que a busca pela compreensão acerca da irmã a fez encontrar-se.

Aqui, entra o tocante aspecto da diretora não se revelar por completo durante a primeira hora. Ela ainda era um pouco de Elena; em algum momento das filmagens, Petra se redescobre e vai se revelando por completo em cena. “Pouco a pouco, as dores viram água; viram memória.”

A fita se torna uma catarse. Petra se parece com a irmã, compartilha seus interesses e, com o tempo, acaba lutando contra os mesmos demônios. Mas, ao menos, ela tem uma ideia melhor do que está enfrentando. Elena acabou abrindo um rastro que não estava previsto e permitiu que a irmã encontrasse a luz que não achava, para transformar memórias em água e cinema.

Assista ao trailer:

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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