Horrorscópio | A Troca

Embora lançado em DVD com o nome de A Troca, este filme, divulgado no começo da década de 1980, tinha o infame título de Intermediário do Diabo. A noção, na época, era atrair um público que consumia obras slashers e com temas sobrenaturais feito em cima da figura satânica (A Profecia, O Exorcista, Halloween ou Carrie – A Estranha, por exemplo).

A verdade é que tal nome não tem semelhança com a proposta da narrativa. Aqui, o cenário de construção reside em situações sobre o sobrenatural que querem, propriamente, focar no “coisa-ruim”. A concepção nesta obra dirigida por Peter Medak é nos transmitir um estudo de horror em cima de sugestões psicológicas, efeitos que traduzem o medo através de símbolos óbvios (o terreno narrativo em uma casa mal-assombrada) sobre espíritos e, inclusive, uma situação que envolve um assassinato no terço final; culminando em um senso de investigação.

A trama exibe o pianista John Russell (George C. Scott, excelente), tendo que confrontar o luto, após a perda da esposa e filha, mortas em um trágico acidente de carro. Decidido a se restabelecer e mudar de ares, se muda para um casarão que pertenceu à sociedade histórica de Seattle, uma doação do senador Joe Carmichael (Melvyn Douglas). Não é muito difícil de perceber o uso de analogias na narrativa para promover a atmosfera do medo no público: a partir do momento em que o personagem passa a morar na mansão, tem seu emocional modificado; uma interferência da sua natureza psíquica por conta de eventos sobrenaturais que não compreende.

A direção aproveita-se da ambientação de cenários lúgubres e da aparência decadente da mansão misteriosa, em uma fita que nos remete às obras de Stephen King. Portas que se abrem, janelas que fecham, sussurros e ruídos ritmados fazem parte da nova rotina de Scott. Medak incute a experiência em primeira pessoa, através de câmeras próximas à face receosa e, por vezes, em pânico do pianista dentro do ambiente perigoso. O que se esconde por trás desta casa antiga? Que segredos habitam ali dentro? São perguntas possíveis para quem vê.

Quando Russell descobre um sótão trancado em um andar superior, novos desdobramentos são expostos. O suspense intimista, aos poucos, converte-se em algo mais palpável — visões sinistras de um garoto afogado em uma banheira; sons que se potencializam pelos ambientes escuros; uma cadeira de rodas empoeirada; uma caixa de música e um caderno de data de 1902 são pistas para um quebra-cabeça.

O protagonista entra em um cenário de horror progressivo. Russell procura ajuda de Claire Norman (Trish Van Devere), que lhe vendeu a casa, para desconstruir essas memórias históricas ligadas à residência sobrenatural e situações que levaram a mansão ao aspecto de expurgo espiritual. É quando temos uma sequência de quase dez minutos, no qual um grupo de espíritas realizam uma espécie de sessão mediúnica, evocando a presença de fantasmas em uma cena de grande tensão.

A atmosfera, até então sombria e que nos remete ao Os Outros, de Alejandro Amenábar (que declarou que tinha A Troca como uma de suas maiores inspirações), transforma-se em um senso mais investigativo. A narrativa destranca que, por trás da mansão macabra, existe uma conspiração política intrincada. O espírito do garoto que assombra o local é consequência de um assassinato do passado, que envolve o império dos Carmichael, donos da residência no começo do século XX, uma das famílias mais poderosas dos EUA.

De narrativa dramática voltada ao horror sobrenatural, o roteiro sugestiona o público em uma sucessão de eventos que leva o filme ao aspecto de suspense investigativo. Entretanto, não perde o tom diante de algumas mudanças no cenário de tensão que vinha articulado, até o meio da projeção. A atuação de C. Scott, dez anos após o ser laureado com o Oscar por Patton, é um dos maiores atrativos. A sua construção é feita de olhares, gestos e tons de fala que exibem a face fragilizada deste homem. Alguém que se submete ao contato com o lado sombrio do desconhecido, tendo a vida modificada por influências espirituais que o lesionam com severos traumas. Nesse sentido, o filme ganha mais força pela defesa de sua interpretação.

Nota: ★★★★☆

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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