Poltrona Pipoca | Mogli: Entre Dois Mundos

 

As histórias do indiano Rudyard Kipling foram muito adaptadas para o cinema, desde os anos 40. O tom mais sombrio da obra original deu lugar a músicas e ao clima mais alegre das versões da Disney. Após várias adaptações, chega a Netflix a mais recente, dessa vez uma produção Warner, cujos direitos foram vendidos ao famoso canal de streaming para distribuição. Dirigido por Andy Serkis, ator que ficara famoso após suas capturas de movimento em personagens digitais, como o Gollum ( da trilogia O Senhor dos Anéis) ou o chimpanzé Caesar (da trilogia recente de O Planeta dos Macacos), ele resolveu se aventurar nessa nova versão de Mogli para o cinema. Mogli: Entre Dois Mundos é um filme que, apesar não conter nenhuma novidade na famosa saga do garoto criado entre animais, é bem dirigido e mantém um tom mais sério, diferente da versão de 2016 da Disney, Mogli: O Menino Lobo, dirigida por Jon Favreau. 

O filme começa como a história original: Mogli (Rohan Chand) é o único sobrevivente de um ataque, em que tem como vítimas os pais do garoto. O tigre-de-bengala Shere Khan (voz de Benedict Cumberbatch) foi o responsável pela matança. Após o evento, Mogli é adotado por uma alcateia, cujos líderes são Nisha (Naomie Harris) e Akela (Peter Mullan), com influência da pantera Bagheera (Christian Bale) e do urso Baloo (o próprio Andy Serkis).

A selva tem as próprias leis e, dentre elas, está aquela de que não se deve atacar as vacas, animais sagrados para o homem (a história se passa na Índia e, portanto, esse costume é representado no enredo), pois assim mantém-se a paz. Shere Khan, obviamente, deixa espalhadas vacas estripadas pelo caminho e, então, há o crescimento da tensão na comunidade de animais.

No filme, pouco se fala sobre os conflitos de Mogli em se aceitar como humano ou lobo, mas existem pequenas passagens que retratam essa dualidade – por isso o subtítulo brasileiro de que ele transita entre dois mundos. Provas como a corrida e fuga do predador Bagheera, são comuns para que se aceite novos membros na alcateia, e o longa se utiliza desses artifícios como ferramentas narrativas a fim de que o protagonista possa decidir sobre a própria natureza humana.

Assim como a versão da Disney de 2016, a ênfase se dá entre os animais, e os humanos pouco aparecem. Os únicos que merecem menção são o caçador Lockwood (Matthew Rhys) e Messua (Freida Pinto), que aparecem mais na segunda metade do filme. Lockwood é peça primordial para a decisão de Mogli quanto à identidade, assim como Messua mostra a bondade do ser humano. Esses comportamentos são divisores para a jornada do herói: lutar para permanecer no grupo na selva ou aceitar a condição humana e viver entre os semelhantes.

Os efeitos em CGI são bons, mas, ao observarmos o filme de Jon Favreau de 2 anos atrás, a fluidez dos movimentos, detalhes nos animais, pelos dos lobos, são mais bem elaborados na versão Disney que na do Serkis. Em Planeta dos Macacos e na própria versão Mogli de 2016 mostram personagens computadorizados extremamente realistas, enquanto que na adaptação atual os animais são mais voltados ao cartoon, têm uma animação que é eficaz, mas às vezes meio datada. Os personagens renderizados representam mais os rostos dos atores que os dublam do que animais propriamente ditos. E as sequências de ação não são marcantes, algo que no trabalho de Favreau empolga mais.

O tom sombrio é o maior trunfo de Mogli: Entre Dois Mundos: Rohan Chand interpreta bem uma criança bestializada, apesar de que a comunicação entre homens e animais seja o inglês/indiano e, em certos momentos, a interação entre humanos mostre certa falta de comunicação entre eles, um pequeno tropeço no roteiro. O longa tem uma censura PG-13 nos Estados Unidos e de 12 anos aqui no Brasil e tem algumas sequências com sangue que podem perturbar levemente as crianças, nada de tão alarmante. Feridas no corpo do Mogli, nos corpos dos animais, destino de certos personagens e vacas com órgãos expostos são os principais motivos da censura mais alta.

A personagem Kaa (Cate Blanchett), apesar da importância na trama original, serve mais como narradora e conselheira do que outra coisa. O Baloo de Serkis é imponente, mas nem de longe é o personagem mais interessante da carreira do ator. Ele tem um tom mais ríspido e selvagem que o Baloo irreverente que conhecemos. A fotografia de Michael Seresin, mesmo dos dois últimos filmes da franquia Planeta dos Macacos, é eficiente e, em certos momentos, compõe cenas de beleza ímpar, como a festa no vilarejo, repleta de cores.

Mogli: Entre Dois Mundos é um filme correto, bem realizado, mas que não causa nenhuma impressão duradoura ao término. Cada filme é uma obra única, deve ser analisada individualmente, e comparações são injustas às vezes; mas a versão anterior da Disney ainda é mais impressionante visualmente e narrativamente. Favreau foi tão bem sucedido, que não é à toa que vai comandar mais um live action da Disney: A nova versão de Rei Leão, em 2019.

Nota:  ★★★✰✰

 

 

Ficha Técnica

Nome Original: Mowgli: Legend of the Jungle

Ano: 2018

Direção: Andy Serkis

Roteiro: Callie Kloves (Adaptação do livro de Rudyard Kipling

Elenco: Christian Bale, Cate Blanchett, Benedict Cumberbatch, Naomie Harris, Andy Serkis, Peter Mullan, Jack Reynor, Eddie Marsan, Tom Hollander, Matthew Rhys, Freida Pinto, Rohan Chand

Fotografia: Michael Seresin

Trilha Sonora: Nitin Sawhney

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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