Análise | Clímax

Gaspar Noé é daqueles famigerados diretores em que se pode falar que está incluso no hall do “ame ou odeie”. Após o choque pós Irreversível, o diretor ficou com os holofotes sempre acima dele, a cada obra lançada. Todo longa-metragem do diretor vira espécie de acontecimento nos festivais de cinema e todos não foram exceção: do lisérgico Enter the Void, passando pelo erótico Love até chegarmos à Clímax, distribuído pela poderosa A24.

Obviamente, o filme causou frisson no último Festival de Cannes e é um amálgama de toda a filmografia do Noé. O início do longa mostra uma TV de tubo e várias fitas VHS, além de livros ao lado, o que indica que se passa numa época anterior, mais precisamente 1996. Esse começo é importante, pois serve para que possamos conhecer os diversos personagens que aparecerão no decorrer da narrativa e também para que o espectador possa perceber as diversas influências do cineasta para conceber Clímax: Suspiria, de Dario Argento, com suas cores fortes, principalmente no vermelho; Possessão, do Andrzej Zulawski; Salò, ou os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini; A Mãe e a Puta, de Jean Eustache; Um Cão Andaluz; filmes do diretor Rainer Werner Fassbinder; Eraserhead, Nietzsche, enfim, só para citar algumas.

Uma espécie de entrevista de emprego realizada por companhia de dança, com dançarinos a fim de realizarem turnês fora da França, o início do filme mostra um pouco dos personagens, o que pensam cada um, o que esperam nessa nova empreitada. Em seguida, vemos um dos inúmeros planos-sequência simplesmente fantástico, que mostra o grupo de dança em pleno vapor — a câmera de Noé passeia por corpos em movimento, com diversos estilos de dança; heterogeneidade, homens, mulheres, gays, héteros, negros, brancos, uma síntese da diversidade e cores em plena união musical e corporal. A captura desse momento pelo diretor foi algo sublime.

O espectador, então, após esse momento, passa a acompanhar os dançarinos conversando, assuntos banais, e conhecemos aos poucos cada um. Importante destacar que, embora possua muitos personagens, o diretor sabe muito bem, através de diálogos pontuais, fazer com que nós conheçamos cada característica dos ali presentes: tem o galanteador David (Romain Guillermic), a sensual Selva (Sofia Boutella, única atriz conhecida do elenco), a misteriosa Lou (Souheila Yacoub), as lésbicas Ivana e Psyche, os irmãos Taylor e Gazelle e assim por diante.

A sangria servida naquele evento de comemoração deixa todos estupefatos com o sabor e a bebida passa a reger aquele local. O que antes estava calmo e amigável, aos poucos, vai se tornando estranho e todos começam a perder a sanidade, em uma bad trip filmada com maestria por Noé que transforma tudo ali em um verdadeiro inferno. Como o próprio diretor citou, a primeira parte de Clímax é como um passeio de montanha-russa; a segunda, um trem-fantasma. Tanto é que o filme pode ser dividido mesmo em duas partes: o começo, apresentando os personagens e terço final, após os créditos, que mostra que a loucura vai aparecer a partir de então. Quem colocou algo naquela bebida? A coreógrafa da companhia fez algum teste com os escolhidos? O espectador tenta decifrar isso ao longo de toda lisergia.

O trabalho de direção de Noé é absurdo e notamos resquícios de outros dos seus filmes: a câmera perturbada de Irreversível, assim como o vermelho simbolizando o inferno; os créditos criativos e em constante movimento vistos em Enter the Void, além da câmera em primeira pessoa que segue vários personagens pelas costas.

Clímax

Há certa ironia de Noé ao ressaltar a França, como demonstra antes da dança, quando os letreiros informam que o filme tem orgulho de ser francês. Em seguida, uma espécie de bandeira da França estampa a parte de trás da mesa de som. E toda aquela mistura de corpos pode representar a riqueza étnica francesa, além dos diversos conflitos existentes. Como uma personagem diz: os Estados Unidos precisam conhecer a dança e cultura da França — no decorrer do filme, ouvimos música eletrônica de qualidade e danças exuberantes, mas também o mais podre do ser humano é externado em cada núcleo ali presente.

Clímax é um trabalho magnífico, de difícil digestão e seus temas pesados são retratados sem pudor pelo diretor. Embora seja menos gráfico que outros trabalhos de Noé, o filme não deixa de incomodar o espectador, ao mesmo tempo que deixa-nos maravilhados com o talento do cineasta. A câmera é quase como um espírito saído de um corpo, fica de ponta cabeça, gira, filma de cima pra baixo. Impossível sair indiferente.

Nota: ★★★★★

 

 

Ficha técnica

Nome Original: Climax

Ano: 2018

Direção: Gaspar Noé

Roteiro: Gaspar Noé

Elenco: Sofia Boutella, Roumain Guillermic, Kiddy Smile, Souheila Yacoub, Giselle Palmer, Taylor Kastle, Sharleen Temple, Lea Vlamos

Montagem: Denis Bedlow e Gaspar Noé

Fotografia: Benoît Debie

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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