Horrorscópio | O Orfanato
Sussurros de crianças que nunca vão crescer; o rangido do parquinho enferrujado; a culpa e insegurança materna que ecoam nos corredores do velho orfanato. Em primeira análise, a obra de Juan Antônio Bayona, com produção de Guillermo Del Toro, não parece muito inovadora: a velha fórmula do casarão assombrado, onde a criança tem habilidades de comunicação com seres do “além do túmulo” que anseiam por vingança.
O grande lance de O Orfanato está em sua qualidade de antecipação. Ora, grandes cineastas de horror sabem bem que é muito mais assustador aguardar algo do que experimentá-lo. Alfred Hitchcock foi muito sábio quando exemplificou a diferença entre surpresa e suspense: “Se as pessoas estão sentadas em uma mesa e uma bomba explode, isso é surpresa. Se eles estão sentados em uma mesa, e você sabe que há uma bomba debaixo da mesa presa a um relógio, mas eles continuam a jogar cartas, isso é suspense”. Pois bem, há uma bomba em O Orfanato, quase que todo o tempo, e Bayona sabe manipulá-la de maneira precisa.
Um, dois, três, toca na parede
O filme é focado em Laura (Belén Rueda), que quando criança foi criada no orfanato antes de ser adotada. Trinta anos depois, ela volta com seu marido Carlos (Fernando Cayo) e seu filho Simon (Roger Princep), para comprar a residência e administrá-lo como um lar para crianças doentes ou deficientes. Ao que parece, ela tem memórias felizes do local e quer perpetuar a alegria da infância com crianças especiais.
Simon é uma criança solitária que cria brincadeiras e amigos imaginários. Um deles é Tomás, um menino com um saco sobre a cabeça que esconde uma deformidade facial. Tanto Tomás, quanto as outras cinco crianças presentes na história, foram colegas de Laura na infância, mas retornam de maneira funesta para brincar com a antiga amiga e desvendar mistérios enterrados.
Elementos que amplificam o medo
Através da fotografia pálida e opaca de Oscar Faura, com seus tons de verde e cinza, a fita nos remete sempre ao antigo, ao mofo e velho. A noção de tempo é propositalmente confusa, mantendo a impressão de que o orfanato parou no tempo, assim como seus internos que não puderem crescer, tal como os meninos perdidos de Peter Pan. A trilha imersiva é fiel aos bons clássicos do terror com sons metálicos e vibrantes. Os ruídos de ferrugem, o ranger das portas, os passos sob o velho piso de madeira são amplificados para fixar a sensação de imersão na casa.
Os fantasmas de Laura realmente existem?
Não é certo dizer. A linha entre realidade e fantasia é tão obscura no filme que os fantasmas podem ser uma experiência ou uma ilusão na mente de Laura. Uma vez que, através de seus olhos, vemos o que ela vê; assim, não somos capazes de saber o que é realidade e o que é ilusão na psique assombrada da protagonista.
“Não se trata de ver para crer, mas sim de crer pra ver”
Uma discussão sobre ceticismo e sobrenatural vem à tona na relação de Laura e seu marido, cético e racional ao extremo. A mulher, em busca de respostas para o sumiço do filho, acaba por dobrar-se ao que já não lhe era tão estranho. Ao aceitar a visita de uma médium (uma ponta grandiosa de Geraldine Chaplin), Laura põe em cheque a paciência do marido que não aceita as evidências de que, de fato, existe algo na casa, mesmo que não sejam os ditos fantasmas. O monólogo da médium é um dos momentos mais marcantes do filme e consegue verbalizar o roteiro em sua essência: “ Quando algo de terrível acontece, às vezes, deixa um rastro, um ferimento que age como um nó entre duas linhas de tempo. É como um eco que se repete sem parar, esperando ser ouvido, como a marca de um beliscão que implora por cuidados”.
O filme, uma produção espanhola, se prolonga de forma inteligente para criar atmosfera, para criar um sentido de lugar e uma simpatia pelos personagens, ao invés de correr para apelar por emoções baratas. Tem uma maneira estranha de recriar o sentimento que temos quando estamos em um local familiar em um tempo desconhecido. Você pode ser capaz de andar em qualquer porão, de qualquer lugar do mundo — mas, e se você tiver que descer as escadas do porão escuro da casa em que cresceu, a sensação e o medo seriam os mesmos? “O eco se repete sem parar, esperando ser ouvido”.
Nota: ★★★★☆
Ficha técnica
Nome Original: El Orfanato
Ano: 2007
Direção: Juan Antonio Bayona
Roteiro: Guillermo del Toro e Sergio G. Sanchez
Elenco: Belén Rueda, Roger Príncep, Fernando Cayo, Geraldine Chaplin, Oscar Casas
Fotografia: Oscar Faura
Trilha sonora: Fernando Velazquez