Persona | A Marquesa de Merteuil em Ligações Perigosas
Uma das performances mais pulsantes na carreira de Glenn Close foi a Marquesa de Merteuil, em Ligações Perigosas. Uma persona complexa, cheia de nuances e camadas que confirmou Close no cabedal das grandes atuações do século.
A Marquesa de Merteuil é uma viúva rica que conseguiu cultivar a reputação de mulher virtuosa na sociedade aristocrata de 1788, enquanto brincava de colecionar amantes. Dona de uma personalidade egocêntrica, a marquesa deseja vingar-se de um antigo amante, e para isso conta com a ajuda do sedutor Visconde de Valmont (John Malkovich). Acostumada a sempre conseguir o que quer, como a maioria das mulheres ricas de sua época, ela se diverte arruinando a vida de outras pessoas; como um passatempo, usando pessoas como peões em suas jogadas sexuais. Trabalha observando os bastidores, coleta e distribui informações para promover seus enredos.
Você não me possui
Embora a Marquesa seja tão manipuladora e implacável quanto Valmont, suas motivações são diferentes. Como mulher, mesmo sendo rica, sua posição social a limita. Os homens têm mais facilidade. Ela acredita que para eles a derrota significa apenas uma vitória a menos — e nesse processo desigual, as mulheres têm sorte em não perder.
Valmont pode ter uma sensação de direito porque ele é um rico aristocrata masculino, mas como mulher, a Marquesa teve que desenvolver habilidades para se proteger de pessoas como ele. Desse modo, fez questão de observar as pessoas cuidadosamente e aprender a mentir e até mesmo controlar suas expressões faciais e seu tom de voz; desenvolveu um desapego que lhe permitiu aprender com suas experiências, em vez de ter sentimentos sobre elas.
Uma vez que seu marido morreu, ela fez a encenação de uma viúva de luto por um tempo; mas, em seguida, embarcou numa carreira de atrair e descartar uma série de amantes, sem preocupações, exceto por seu próprio prazer e controle. Ela é meio que a versão feminina de Valmont e aprendeu a fazer os homens pensarem que eles têm a vantagem, por isso, provoca-os para fazê-los pensar que são os únicos no controle.
Ciúmes
Apesar de todo o seu autocontrole, a Marquesa parece reagir muito mal quando começa a suspeitar que Valmont está se apaixonando por Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer). Ele está ignorando a marquesa — como ele ousa? Assim, ela faz o possível para humilhá-lo. Nesse ponto, percebemos o quão complexa é a atuação que Close carrega com maestria — porque é difícil distinguir suas emoções reais de seus planos estratégicos para seduzir Valmont. Seu último ato é persuadi-lo a abandonar Tourvel, apenas para ver se consegue. Quando o tivesse, descartaria feito uma figurinha repetida.
Amante da decepção
Tendo criado a si mesma do zero, a decepção é muito fácil para a Marquesa, o que a torna vulnerável quando seu poder é ameaçado. Enrolada na trama do jogo sexual que ela mesma criou, acaba por ser derrubada por seu oponente. Conseguiu convencer as pessoas se passando por viúva piedosa e elegante; uma máscara eficaz por um tempo, mas que cai quando ela perde o controle de seus movimentos no tabuleiro. A última cena, um momento alegórico e único, é o ápice da performance de Close: ela limpando a maquiagem; sua máscara que cai, a futilidade se perde e a soberba some. Desaparecendo aos poucos, através do fade-in que escurece a tela, a Marquesa se esvanece até ser consumida pela frustração da queda iminente.