Bang Bang | O Último Bravo (1954)

 

Analisar o gênero faroeste é, de certa forma, estudar a história da colonização e constituição dos Estados Unidos da América. Diferente de filmes como Sangue de Herói, Legião Invencível e Rio Grande (os três estrelados por John Wayne e dirigidos pelo gênio John Ford), O Último Bravo não aborda o lado do vencedor e conquistador, mas sim dos nativos que tiveram que defender sua terra, se recusando a tratá-los como vilões ou simples estereótipos.

Porém, com essa perspectiva com potencial, o tema sobre preconceito e opressão é pouco explorado. O melhor exemplo dentro desse contexto é, sem dúvidas, a cena em que o protagonista, sozinho na cidade, visualiza o choque cultural (um grande pedaço de carne no prato ou uma loja com indivíduos de descendência oriental) com olhos curiosos e recebendo um tratamento deplorável.

Sendo apenas o terceiro filme de Robert Aldrich (que faria clássicos como A Morte Num Beijo e O Que Terá Acontecido com Baby Jane?), o diretor consegue, em diversos momentos, mesmo com um roteiro limitado, transmitir por meio das imagens o sentimento de isolamento e saudade que o personagem interpretado por Burt Lancaster tanto sofre — não sendo à toa que o primeiro plano mostre as montanhas que simbolizam o seu lar e, quando entra no trem ao ser capturado, visualize mais uma vez essa mesma paisagem.

A escolha do ator para viver o protagonista pode até ser contestada nos dias atuais por ser não se encaixar nas características do índio (e fica claro a artificialidade da cor da pele tanto nele como em Jean Peters, que nos remete, inevitavelmente, à extinta prática do blackface), mas seu inegável talento ultrapassa todos essas questões extracampo e expõe com competência o ódio, solidão e a vontade de construir uma família e, consequentemente, perdurar o legado de sua tribo. E essa sensação iminente de violência e paixão que tem pela causa é exposta pela cor vermelha em sua bandana, além de uma cor mais amena para representar um estado de espírito mais pacífico ao longo da jornada.

Contudo, o roteiro peca ao ser tolerante com a irrealidade das situações (o indígena se livra dos problemas e entra em recintos supostamente vigiados com muita facilidade) e ao não construir a noção de urgência com o decorrer dos eventos, como também não sabe lidar bem com lapso temporal da história. Em uma cena, a título de exemplo, Massai realiza o matrimônio com Nalinle para, logo em seguida, a mesma afirmar que está grávida. Sendo assim, com esse modo apressado para contar, o que ocorre é a ausência de peso ou devida dimensão para os fatos.

Como se não bastasse, os coadjuvantes não são tão bem explorados, servindo como mera ferramenta narrativa para que os acontecimentos avancem de maneira precária, que culmina num terceiro ato que perde intensidade ao sempre alternar a situação do personagem principal com aqueles que estão o perseguindo, sem sabermos quais são suas verdadeiras intenções.

Por outro lado, o faroeste de Aldrich é eficaz ao recriar o século XIX com um design de produção que demonstra o abismo entre a industrialização da cidade e a pacata tribo indígena ou qualquer outro ambiente bucólico, adquirindo mais qualidade nesse prisma com a fotografia de Ernest Laszlo que compreende a diferença entre esses dois — chegando a iluminar o apache na cidade com uma melancólica luz azul.

A obra de 1954 também pode chocar alguns espectadores com a maneira que se expressa e subjuga as mulheres e, mais ainda, como retrata a brutalidade direcionada à personagem feminina, mas o propósito narrativo é justificado ao estar inserido dentro de um contexto em que as normas são, em essência, patriarcais. Diferente de muitos heróis no western que possuem uma índole irretocável, aqui não existe esse tratamento ou preocupação em tornar o personagem-título num modelo perfeito de ser humano; pelo contrário, ao tornar seus atos moralmente questionáveis, a consequência direta é a sua própria humanização e evolução diante do meio em que vive.

No fim, é um filme que perde várias oportunidades de tornar-se mais relevante ao rejeitar um estudo mais pertinente sobre o impacto do preconceito e violência na sociedade — algo que Os Brutos Também Amam, um ano antes, fez com extrema excelência. Ainda assim, não tenta ser uma experiência puramente aventureira, destacando o panorama atípico ao revelar a importância de se lutar para que sua cultura e legado permaneça diante da crueldade daqueles que quiseram exterminá-los ao se encerrar de forma esperançosa com uma mensagem clara de repúdio a qualquer espécie de guerra.

Nota: ★★★✰✰

 

 

 

Ficha técnica

Nome Original: Apache

Ano: 1954

Direção: Robert Aldrich

Roteiro: James R. Webb (baseado no livro de Paul I. Wellman)

Elenco: Burt Lancaster, Jean Peters, John McIntire, Charles Bronson, John Dehner, Paul Guilfoyle, Ian MacDonald, Monte Blue, Walter Sande

Fotografia: Ernest Laszlo

Trilha Sonora: David Raksin

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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