Dumbo | Análise

 

Foi em meio a um clima de tensão no mundo que a Disney lançou suas primeiras animações em longa-metragem. Branca de Neve e Os Sete Anões fez um sucesso estrondoso no final de 1937 e, em seguida, o estúdio tentou devolver um pouco de ternura à sociedade com Pinóquio e Fantasia, que tiveram dificuldades em obter boas bilheterias por causa da II Guerra Mundial.

Em 1941, pouco mais de um mês antes de os Estados Unidos sofrerem o ataque à base militar de Pearl Harbor — que os colocou com força total na guerra —, um elefantinho orelhudo que só queria de volta o colo de sua mãe chegou às telas americanas. Dumbo foi o grande sucesso do estúdio na década de 1940, atestando a importância do cinema e de histórias que promovem o amor e a esperança em tempos difíceis.

Avançamos para 2019. Novamente, o mundo parece um pouco estranho. Por vezes, o sentimento é de que estamos à beira de um colapso ambiental, social ou político. A Disney, que já vinha revivendo alguns de seus grandes clássicos em versões live-action, decide trazer de volta uma história sobre aceitação e respeito ao diferente. O timing parece perfeito.

O cerne do filme é o mesmo: o elefante filhote de orelhas enormes, nascido no circo, chama atenção e é visto como uma aberração, o que culmina em um ataque de fúria da mamãe, Sra. Jumbo, levando-os a serem separados. Dumbo quer seu aconchego materno de volta. Porém, ao contrário da fidelidade aos originais que parecem prometer os live-actions de Aladdin e Rei Leão, a serem lançados ainda este ano, Dumbo tem algumas mudanças significativas de plot —o que, na verdade, é uma boa surpresa. A maioria dos elementos marcantes continua lá, mas em outros contextos. É como se fosse uma nova história dando “piscadelas” para os fãs da animação original, algo parecido com o que foi feito no Cinderela de Kenneth Branagh, em 2015.

Sem todos aqueles números musicais, o Dumbo de Tim Burton também difere do material base por ter mais humanos. Uma solução compreensível já que, no original, além das músicas e do ratinho Thimothy, o filme tem pouquíssimas falas — o que certamente tornaria o longa enfadonho para o público infantil e jovem do século XXI, a aceleradíssima geração da informação e do Youtube.

O filme emociona principalmente nas cenas em que o elefante sobrevoa o público, com sua carinha assustada, segurando sua pena nos momentos que antecedem a “decolagem”. Aliás, o filme não deixa a desejar em seus efeitos visuais, design de produção e muito menos na belíssima fotografia de Ben Davis. A presença de cores fortes e a forma como a luz é usada nos transporta para uma realidade circense do início do século passado, um mundo lúdico de fantasia.

Enquanto a animação foi lançada em meio à segunda grande guerra mundial, a nova versão da história traz entre seus personagens humanos o domador de cavalos Holt Farrier (Colin Farrell), que acabou de retornar ao circo após servir seu país como soldado na I Guerra. É esse personagem e seus dois filhos que acabam servindo de “âncora” para a história do simpático elefantinho. Porém, eles também são o elo mais fraco de toda a construção de Tim Burton, simplesmente por atuações não convincentes aliadas à lacunas no desenvolvimento do roteiro no que se refere à família.

O garotinho Finley Hobbins, que interpreta Joe, parece até tentar, mas seu personagem é o que tem a participação mais tímida entre os três. Já a filha mais velha, Milly, vivida por Nico Parker (em seu primeiro crédito no cinema já em um papel tão grande), mantém o semblante sempre como uma tela em branco, não dando expressividade alguma em muitos momentos que precisavam que ela fosse o estopim da emoção. Era essencial uma atriz mirim do calibre do que um dia foram Abigail Breslin (em Pequena Miss Sunshine) ou Dakota e Elle Fanning ou, mais recentemente, Brooklynn Prince (em Projeto Flórida). Mas temos apenas uma garota com um rosto que promete uma explosão de carisma, mas o segura e não o entrega de jeito nenhum. Como ela faz as vezes do ratinho Timothy, um dos personagens mais importantes da trama original, isso se torna bastante problemático.

O que irrita mesmo, no entanto, é a preguiça de Colin Farrell. Essa é bem a palavra: preguiça. Não é que o personagem dele está com dificuldade de processar emoções após os horrores da guerra — o que seria aceitável e até esperado. É uma falta de química com as crianças e algo que se pode traduzir com uma falta de vontade para com o próprio personagem. Ele tem uma relação difícil com os filhos (e aí estaria um belo paralelo com o Dumbo querendo reencontrar sua mãe), mas nem mesmo isso é tão bem delineado. No fim das contas, é como se a parte humana — pelo menos no que se refere ao trio principal — do filme estivesse um pouco sem energia. Por sorte, temos um ótimo Danny DeVitto e uma Eva Green correta para balancear um pouco as coisas.

Apesar do grande tropeço com parte do elenco e de um início apressado na introdução de tais personagens, a direção de Tim Burton é segura. Pudera: além de ser um veterano no gênero fantasia, a temática de rejeição ou do ser diferente é algo que o diretor domina e já trabalhou em diversas oportunidades. Pode-se dizer que é um tema que faz parte de Burton. É por estar tão confortável à frente da história que nem mesmo o que parece um momento “autocrítico” da Disney soa ridículo: Dreamland, a grande corporação do entretenimento liderada pelo personagem de Michael Keaton, que compra tudo o que for sucesso para não ter concorrência, permite que um público antenado questione e faça a ligação com o estúdio, mas de forma descontraída.

Dumbo é um belo exemplo de que é possível recriar e recontar histórias mantendo a magia, sem se repetir. Mas não é só isso. Talvez uma das mensagens mais pertinentes do longa, além da velha máxima de acreditar em si — mesmo quando parecemos não nos encaixar em determinado ambiente e não somos compreendidos — é ver a união fazendo a diferença. Burton nos mostra mais uma vez que o estranho pode ser realmente fascinante; mas incrível mesmo é a força dos seres humanos quando unidos em torno de uma boa causa… A capacidade de fazer o bem. É a hora certa para o mundo se lembrar disso.

Nota: ★★★★✰

 

 

Ficha Técnica

Ano: 2019

Direção: Tim Burton

Roteiro: Ehren Kruger (adaptação do livro de Helen Aberson e Harold Pearl)

Elenco: Colin Farrell, Nico Parker, Finley Hobbins, Eva Green, Danny DeVitto, Michael Keaton, Alan Arkin, Douglas Reith

Fotografia: Ben Davis

Trilha Sonora: Danny Elfman

Montagem: Chris Lebenzon

Design de Produção: Rick Heinrichs

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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