Persona | Howard Hughes (O Aviador)
Talvez Howard Hughes (interpretado pelo talentoso Leonardo DiCaprio) seja uma das personalidades mais fascinantes do século XX, não só por ser um exímio aviador (chegando a quebrar recordes de velocidade), mas também por possuir notório conhecimento sobre engenharia, invadir a indústria do cinema e produzir o filme mais caro da época (quase 4 milhões de dólares) com Anjos do Inferno, além de bancar e dirigir o polêmico O Proscrito por causa das múltiplas cenas sexualmente sugeridas com a presença de Jane Russell.
Porém, apesar dessa sua aventura dentro da sétima arte, o septuagenário diretor Martin Scorsese está mais preocupado em explorar sua verdadeira vocação dentro do mundo da aviação e vida pessoal. E para já estabelecer a imponência da figura que iremos conhecer, quando o vemos crescido pela primeira vez, ele está de costas numa grande e típica festa de Hollywood, mas maior que todos os outros para nos relevar a magnitude do protagonista — mesmo que nos faça observá-lo quase implorando por algumas câmeras a mais a alguns produtores para filmar seu épico cinematográfico.
Apesar de ser amplamente conhecido como mulherengo, o roteiro foca em poucas mulheres. Portanto, é interessante notar que, no que tange à sua vida amorosa, o filme é, ao mesmo tempo, romântico e imperdoável. Se a belíssima fotografia de Robert Richardson (vencedor do Oscar pelo trabalho) faz questão de iluminar de forma exagerada Katherine Hepburn (atuação que rendeu o primeiro Oscar para Cate Blanchett) dentro do avião para representar o encanto dessa paixão, a obra também é elegante ao registrar as mãos do personagem principal deslizando pelas costas de sua amante para, logo em seguida, colocar essas mesmas mãos passando pela estrutura do avião que, pouco tempo depois, bateria o recorde mundial de velocidade.
O outro romance de Hughes que acompanhamos é com a atriz Ava Gardner (Kate Beckinsale), uma mulher com uma personalidade mais sincera e fervorosa, mas que ainda demonstra um certo afeto ao ajudá-lo a se arrumar horas antes para enfrentar o Senado (e Alan Alda representa muito bem o cinismo do governo estadunidense através do senador Ralph Owen) das acusações. E, por último, um curto relacionamento com uma jovem que evidencia mais ainda o lado controlador do protagonista.
A direção de Scorsese é bastante coerente ao, muita das vezes, filmar seus planos de maneira simétrica para se adequar ao transtorno obsessivo-compulsivo que atormenta o personagem — seja num mero prato de comida com ervilhas perfeitamente colocadas ou até mesmo dentro de um avião que é o ambiente em que se sente mais confortável.
E, gradualmente, constatamos a intensidade do seu transtorno obsessivo-compulsivo, o tornando cada vez mais excêntrico e imprevisível, afetando não apenas sua vida pessoal, mas também a profissional. Em determinada cena, por exemplo, após discutir sobre o fato do país não estar mais interessado em seus serviços, o mesmo pede alguns segundos de descanso para poder conversar sobre o que está construindo — e a direção faz questão de revelar a planta do avião (de modo rápido e frenético) logo após, como maneira de exteriorizar esse dilema, uma vez que é um homem que lida tanto com a construção quanto com a burocracia de tudo aquilo num cenário político de pura pressão.
Não deixa de ser sofisticada a forma como a obra de 2004 retrata a decadência do aviador (no terceiro ato) ao iluminá-lo com uma luz vermelha quando sempre é chamado (fazendo uma alusão ao seu grande acidente que queimou boa parte de seu corpo) e ao colocar pôsteres de seus filmes nas laterais da porta para demonstrar o abismo do sucesso que teve e onde está agora, com seu grande rival (vivido por Alec Baldwin) prestes a comprar sua companhia aérea devido à sua inevitável falência.
Por fim, o roteiro, inteligentemente, faz questão de não revelar a triste morte que teve para manter a imagem visionária do protagonista. Tal ideia toma grandes proporções ao não só inocentá-lo das acusações feitas pelo Senado, como também ao praticamente encerrar o filme com o personagem principal conseguindo fazer o hidroavião denominado Hércules (o maior avião da época) decolar, consolidando uma mensagem sobre o espírito indomável do ser humano — culminando numa frase que, além de concluir a obra, resume toda a essência de Howard Hughes: “O caminho para o futuro“.
Ficha técnica
Nome Original: The Aviator
Ano: 2004
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: John Logan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Cate Blanchett, Kate Beckinsale, Alec Baldwin, Alan Alda, Ian Holm, John C. Reilly, Danny Huston, Jude Law, Adam Scott, Matt Ross, Williem Dafoe, Gwen Stefani
Montagem: Telma Schoonmaker
Trilha Sonora: Howard Shore