Persona | Lucky

Em seu filme de estreia, o diretor John Carroll Lynch já mostra muita personalidade visual e narrativa, ao mostrar a rotina de Lucky (Harry Dean Stanton), um veterano ateu de 90 anos que está em sua jornada espiritual. Mesmo parecendo bastante simples à primeira vista, ao passar do filme, suas camadas vão se florescendo, não de forma totalmente explicita, mas através dos detalhes.

Essa jornada se torna ainda mais poderosa por este ser o último filme de Harry Dean Stanton, que nos entrega uma atuação grandiosa, sem exageros, com um espirito de um jovem, mas com um corpo castigado pela vida. É interessante notar que Lucky, é um cara que tem energia, segue sua rotina sem fraquejar, mas seu corpo o impede de ir além, como se o pedisse misericórdia e o deixasse ir.

Os coadjuvantes têm poucas cenas de destaque, porém, muito bem utilizadas pelo roteiro. David Lynch traz à vida Howard, o grande amigo do nosso protagonista, cheio de frases que, fora do contexto, poderiam se tornar bregas ou até mesmo ridículas, mas que fazem total sentido. São reflexões sobre objetivos de vida, buscando entender o porquê de vivermos tanto. Muitos questionamentos nos fazem refletir bastante sobre a nossa própria vida, não importando se somos adolescentes ou idosos, só o que realmente interessa é se entender.

Ao escolher certos planos para pôr em tela, enquanto a trilha sonora vai subindo com uma linda gaita e instrumentos de corda, entendemos a cada nascer do dia um pouco mais o nosso veterano. Coisas simples que o motivam, até mesmo tudo que o desagrada. A cor vermelha, que sempre está presente quando o personagem está em uma situação delicada se intensifica, nos passando um estranho sentimento de perda ou desespero.

As belas cenas arenosas nos deixam cientes de todo o ambiente em que Lucky escolheu viver o resto de seus anos de vida. Enquanto aquele local desértico que mostra força para que nada sobreviva ali, cactos teimam em crescer cada vez mais onde muitos não dariam chances nenhuma para a vida. Isso faz uma alusão direta ao protagonista, que vive como um jovem, fumando e a noite bebendo drinks frutíferos, mesmo que seu corpo demonstre uma certa fraqueza. Como eu disse acima, tudo está nos detalhes.

Durante o filme, vamos sentindo um desconforto, pois estamos cientes que estamos nos apegando a um protagonista que não pode viver muito e, ao saber disso, nós mesmos tentamos, sem sucesso, bloquear esse sentimento de apego. E quanto mais lutamos contra isso, mais forte fica o nosso carinho por aquele velho simpático. O ser humano procura por rotina, e aquela rotina é a que mais nos conforta durante toda a projeção. Muitos podem sentir que o filme seja lento, mas o vejo como um estudo de persona muito intenso e isso nos faz quebrar a cabeça, algo que naturalmente tentamos evitar. Particularmente, me agrada bastante, já que após o filme, me peguei refletindo por horas sobre e isso que me mais me emocionou, não durante o filme em si, mas o fantástico pós-filme.

Lucky não é um filme convencional, mas é cheio de afeto e feito com muito cuidado. Não só para homenagear o falecido Harry Dean Stanton, mas para fazer com que as pessoas se entendam e vivam suas vidas sem arrependimento, onde tudo que fizermos seja cem por cento aproveitado em boas lembranças futuras e nos traga sorrisos espontâneos. Stanton não só se entrega totalmente ao papel, ele nos traz uma das melhores atuações que vi na vida.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Lucky 

Ano: 2017

Direção: John Carroll Lynch

Roteiro: Logan Sparks, Drago Sumonja

Elenco: Harry Dean Stanton, David Lynch, Ron Livingston, Beth Grant, Barry Shabaka Henley

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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