Horrorscópio | Maligno

Não é muito difícil ver que Maligno, de Nicholas McCarthy (habituado ao gênero por ter feito Pesadelos do Passado, At The Devil’s Door e Holidays), é o típico clichê que funciona. Um filme que já vimos nas décadas de 1980 e 1990: o foco em crianças com natureza sombria — algo já mostrado em Colheita Maldita e A Órfã (crianças como ameaças potenciais) ou Brinquedo Assassino e O Exorcista (vítimas notórias).

A trama reforça o modelo da criança sob a influência sobrenatural, quando coloca uma mãe em pânico ao confrontar o obscuro que se manifesta dentro do âmbito familiar: Sarah (Taylor Schilling) percebe que há algo errado em seu filho, Miles (Jackson Robert Scott), um menino de 9 anos que, aos poucos, exibe um comportamento perigoso.

A ótica materna é visível, já que o roteiro de Jeff Buhler (do recente Cemitério Maldito) sempre parece ser do ponto de vista de Sarah, sob a personalidade inquieta de seu rebento. O que faz o menino agir com perversidade ao machucar seus colegas na escola? Por que Miles tenta ferir a babá em uma noite? São perguntas que ocorrem para a mãe incapaz de compreender as intenções de uma criança que, até então, era inocente aos seus olhos.

A tensão é constante, desde o início: nos créditos iniciais, a logo da Orion Pictures em vermelho, enquanto somos transportados à primeira cena — a câmera se aproxima de uma casa de aparência envelhecida e uma jovem corre por uma mata aberta, sem um único diálogo. “Ele arrancou a minha mão”, protesta a mulher, em desespero, quando consegue ser socorrida por um carro que se aproxima numa estrada. A jovem fugia de um cativeiro.

McCarthy expõe a gênese de seu conto de terror ao exibir a figura do serial killer que morre e “surge” no corpo de um recém-nascido — ao associar o momento da morte de Scarka com o nascimento de Miles, a fita deixa claro: o bebê de Sarah e o falecido psicopata estão conectados. O espectador percebe que algo sinistro faria parte daquela família, quase como uma história saída da mente de Stephen King.

Maligno é o tipo de filme de temática sobrenatural que funciona. A atuação do menino Jackson Robert Scott é convincente — a criança dúbia, dissimulada, de expressões que transitam entre a inocência e a perversão. A aproximação com A Profecia é visível, visto que o menino sofre o domínio de um espírito que o assombra e o manipula — algo visto em Damien, sob a influência de satã. Ou mesmo Regan, de O Exorcista, que passa a ter o corpo subjugado por uma figura satânica que faz com que manifeste uma ira e instinto assassino, abalando a relação com sua mãe.

Há fortes conexões com fitas da década de 1980, sendo Brinquedo Assassino uma referência mais visível. Miles, assim como Chucky, é possuído por um assassino que usa do seu corpo para práticas violentas. A sequência em que a babá corre no escuro, dentro da casa, enquanto o menino arquiteta um plano contra ela, nos remete ao sadismo de Chucky. Buhler usa de modelos do gênero de horror para criar algo de fácil conexão com o público atual. Outra cena traz referência: o take em que o Miles dorme em seu quarto e fala dialetos húngaros, que são incompreensíveis para sua mãe, nos remete diretamente a O Exorcista. Até mesmo a cor dos olhos diferentes dele, por conta da heterocromia, lembra os olhos coloridos das crianças de A Cidade dos Amaldiçoados. São situações já expostas, mas renovadas pelo roteirista. Ainda assim, funciona.

Talvez falte mais apuro na concepção do roteiro. Na metade, a fita parece encontrar soluções fáceis. Por mais que a direção encontre bons planos de cena — a cena em que Milles tenta manipular seu pai, no carro, adotando um tom psicológico de diálogo, é interessante —, não há surpresas. As situações são lineares e o final consegue ser adivinhado por um espectador experiente a filmes do calibre. Para fãs de terror, um bom entretenimento. Algo que mexe com o saudosismo diante de fórmulas antigas. Mas, um filme sem personalidade e inovação ao gênero — algo que vimos, recentemente, em Hereditário, por exemplo.

Nota: ★★★

Ficha Técnica:

 

Nome original: The Prodigy

Ano: 2019

Direção: Nicholas McCarthy

Roteiro: Jeff Buhler

Elenco: Taylor Schilling, Jackson Robert Scott, Peter Mooney, Colm Feore

 

Gostou? Siga e compartilhe!

Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

cristiano-contreiras has 46 posts and counting.See all posts by cristiano-contreiras

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *