Bang Bang | Fúria Selvagem
A história de sobrevivência de Hugh Glass já foi transformada em livros e filmes. O homem que fora abandonado pelo grupo de exploradores, teve uma experiência de quase morte e retornou para vingança ficou notório em 2015, com o lançamento de O Regresso, de Alejandro González Iñárritu. No entanto, poucos sabem que a história já fora trazida para o cinema em outro momento, nos anos 1970. Um desses exemplos é Fúria Selvagem, dirigido por Richard C. Sarafian.
Embora não seja precisamente um filme biográfico, o diretor resolveu renomear os personagens diante de possíveis procedimentos legais. Hugh Glass vira Zachary Bass, cujo nome até tem uma rima com o real explorador, e Richard Harris interpreta o papel que foi de Leonardo DiCaprio no famoso filme de Iñárritu.
O longa se passa no ano de 1820, durante expedições à procura de novas rotas e peles de animais, essas vendidas a preços lucrativos. Durante uma dessas buscas, Zach é atacado por um enorme urso e praticamente é dado como morto pelos companheiros. No entanto, Zach sobrevive e, com a cicatrização das feridas, surge um desejo de vingança e reflexões sobre a própria vida.
Diferente do filme do mexicano, Fúria Selvagem é menos virtuoso na direção, é mais direto. O ataque do urso é ainda chocante, principalmente para afontece bem no ínicio do filme, enquanto que na outra versão demora mais um pouco para acontecer. Além disso, no longa setentista há uma jornada do personagem em busca de redenção. Alguns flashbacks são inseridos durante a trama para mostrar um pouco mais do passado de Zach, principalmente no que concerne à religiosidade do protagonista.
A religião é fator importante nesse filme. Inicialmente cético e descrente em Deus, diante das agruras que já sofreu em vida, Zach relembra o orfanato por onde passou, os questionamentos sobre a fé e a longínqua imagem que ele tem de uma família. Diante das explorações marítimas, ele deixou em casa uma esposa e um filho, que não teve o interesse em conhecer.
Após a experiência de quase morte, Zach vai, aos poucos, se recuperando e sobrevivendo à selvageria, como sugere o título original. O homem torna-se espectro, um fantasma, o qual assombra os antigos companheiros da expedição e caça animais em busca de alimento, assim como improvisa para cuidar dos ferimentos. Os elementos do western clássico estão ali: os conflitos entre homens brancos e indígenas, tiroteios, ambientes inóspitos e meios de vida daquela época, como a extração de peles de animais para venda.
Richard Harris é tão silencioso quanto Leonardo DiCaprio em seu papel e possui uma imponência e fisicalidade que são o cerne de sua performance. Em todo o filme, ouvimos muito pouco do personagem e os flashbacks complementam a psique de Zach quanto à espiritualidade, aspecto ausente da versão de Iñárritu. Os exploradores liderados pelo Capitão Henry (o ator e também diretor de westerns John Huston) carregam um navio pelas terras áridas e “pagãs”, como eles as denominam, a fim de colocar o transporte nas águas distantes. Os homens brancos são corretos, cristãos, enquanto os selvagens indígenas ou quem renegue a fé são pagãos e merecem ser exterminados. É a ideia principal do grupo.
O filme tem poucas sequências de ação ou tiroteios, mais concentradas no terço final. O foco é mais a jornada do “herói”, de autoconhecimento diante da barbárie e sobrevivência, em busca da luz e da fé. O antigo homem morre e dá lugar a outro mais espiritual, espectral. Há também muito sobre família e o papel da paternidade na vida de um ser humano: Zach não quer conhecer o filho inicialmente, depois tem como intuito maior tal reencontro. O capitão Henry vê Zach como um filho e tem um certo receio ao rever aquele em que ele abandonou. Em determinado momento, o protagonista vê uma indígena grávida e logo depois carregando o filho, o que dá um novo fôlego ao personagem para voltar pra casa.
As cenas de sobrevivência e a maquiagem são bem feitas e mostram ferimentos pelo corpo de Zach, além de efeitos realistas quanto a animais machucados. O desfecho do filme é anticlimático e decepciona um pouco, principalmente quando comparamos à outra versão mais vingativa e sangrenta, mas Fúria Selvagem é um trabalho bem feito, de um diretor desconhecido. Como efeito de comparação, preferi a versão de Iñárritu, mas ambas as obras merecem a conferida, principalmente pelas diferenças que possuem e que se complementam.
Nota: ★★★✰✰
Ficha Técnica
Nome Original: Man in the Wilderness
Ano: 1971
Direção: Richard C. Sarafian
Roteiro: Jack DeWitt
Elenco: Richard Harris, John Huston, Henry Wilcoxon, Percy Herbert, Dennis Waterman, Prunella Ransome, Norman Rossington, Sheila Raynor
Fotografia: Gerry Fisher