Séries | Big Little Lies – 2ª Temporada
A água sempre esteve presente de várias maneiras em Big Little Lies, seja no mar que envolve a pequena cidade ou na forma como a narrativa avança e regride no tempo em intensidades diferentes, representando as ondas que sacodem os acontecimentos e as memórias das “Cinco de Monterey”. Finalizada a segunda temporada da série, fica provado que mentiras são extremamente líquidas, quando escapam por entre os dedos ou por qualquer mínima rachadura que o tempo possa abrir com sua implacável velocidade. Se na primeira fase uma pequena grande mentira foi submersa para o bem de todos, agora os segredos emergem e correm por pequenas fendas abertas pelas memórias e relações das personagens que precisam lidar primeiramente com suas feridas internas.
Assim como as ondas da enseada, os episódios dessa temporada também tiveram seus altos e baixos, oscilando entre tramas calmas, intensas e confusas. A entrada de Meryl Streep como Mary Louise, a mãe do falecido marido de Celeste (Nicole Kidman), chega para agir como uma pequena praga que toca em pontos específicos para causar o desmoronamento de uma estrutura já fragilizada. Durante a temporada, a personagem sonda de maneira bem sutil as cinco mulheres que ela acredita serem responsáveis pela morte de seu filho, além de entrar em uma briga na justiça para conseguir a guarda dos netos. É interessante perceber o quanto ela representa a antítese da união feminina que se protege contra os abusos masculinos: na relação com a nora, Louise alimenta uma relação tão tóxica quanto a que Celeste vivia com Perry (Alexander Skarsgård), repleta de abusos e chantagens emocionais.
Naturalmente, segredos viriam à tona, mas nunca imaginamos que quem acenderia o fósforo seriam as crianças; essa é uma das melhores características da série, que não usa o núcleo infantil como um mero acessório na trama, mas mostra como as atitudes dos adultos influenciam em suas vidas e decisões. Se na primeira temporada, os pequenos mostraram carisma, estando presentes em partes de destaque; na atual, eles são uma peça chave para o desenrolar da história, ganhando autonomia e personalidades mais marcantes como reflexos dos conflitos entre seus pais.
Outra personagem que ganhou destaque maior nessa fase foi Bonnie, com uma interpretação admirável de Zoe Kravitz, afogada entre memórias do assassinato e a infância traumática com a mãe; é como se a cada episódio a personagem ficasse com menos fôlego e forças para chegar à superfície. Mas, embora todas as atrizes tenham tido desempenhos excelentes e Streep tenha chegado para ganhar os holofotes, quem ganhou a temporada foi Laura Dern; nenhuma personagem nos tira tanto da realidade perfeita de Monterey quanto Renata e seus chiliques mundanos. E na dianteira, com momentos tanto hilários quanto dramáticos, Reese Witherspoon e sua espevitada Madeline, divagando entre conflitos conjugais e uma rixa especial com Marie Louise, cuja decepção dos fãs foi não ter visto a tão esperada cena da “sorvetada” que acabou sendo cortada aos 45 do segundo tempo.
Diante de tantos conflitos individuais explorados, os arcos de Bonnie, Celeste e Jane (Shailene Woodley), foram pontos especiais de acompanhamento; as motivações que levaram Bonnie a cometer o ato no dia do crime; a forma como o marido de Celeste, mesmo após a morte, continuava lhe causando transtornos emocionais, através das memórias que machucavam, como um fantasma que deixa rastros para não ser esquecido; o medo de Jane de avançar em um novo relacionamento após o trauma e sua lenta evolução, um passe gratuito de identificação para mulheres que sofreram violência sexual. Memórias também são águas que podem retornar com uma força incontrolável, por isso o apoio feminino foi tão necessário para suportar o peso da corrente.
Falando em águas turbulentas, estranhos acontecimentos geraram polêmicas nos bastidores da série, quando uma fonte do IndieWire informou que a diretora Andrea Arnold teria perdido o controle criativo da série quando Jean-Marc Vallée, diretor da primeira temporada, resolveu assumir as rédeas do projeto na reta final da produção. Fato esse que pode ter causado uma certa falta de ritmo entre os episódios e soluções aceleradas para o encerramento.
Enquanto a suposta briga não fica totalmente esclarecida, concluímos que, embora tenha sido uma temporada com ótimos momentos e atuações primorosas (destaque para o embate explosivo entre Meryl Streep e Nicole Kidman no tribunal), não se compara em qualidade com a primeira e na forma como o caso do assassinato foi conduzido, partindo desde o princípio nos conflitos entre Celeste e Perry, seguindo pelo arco que se conectava brilhantemente com Jane e a ótima abordagem sobre relacionamentos abusivos, até o derradeiro assassinato que uniu as cinco mulheres para afundar o segredo em mar profundo. Apesar do fechamento bem definido nos cinco arcos femininos, a cena final deixou uma sensação de dúvida, nos fazendo pensar num gancho para uma possível terceira temporada. Será? É esperar e ver para onde as memórias e águas de Monterey irão nos levar.