Persona | Hans Landa (Bastardos Inglórios)
Ah, os vilões de Tarantino! Sempre bem construídos, cheios de dimensões e camadas; geralmente com tons de sadismo, se divertindo com a estupidez (ou a ignorância) alheia, jamais perdendo o ar de superioridade; sempre com personalidades marcantes e muita, muita maldade na alma. No filme de 2009, Bastardos Inglórios (principalmente por se tratar de um longa que utiliza o cenário político dos anos 1940 e a II Guerra Mundial como pano de fundo), não poderíamos ter outro vilão que não o nazista intimidador. O ator Christoph Waltz transforma o Coronel Hans Landa, da SS, em um personagem marcante e inesquecível — e, por que não dizer, temido.
Logo em sua primeira aparição em tela fica perceptível o homem exageradamente educado e refinado. Porém, por trás de toda essa pompa está uma condescendência constante na forma como se dirige aos outros, algo que pode ser notado já em sua visita à casa da família LaPadite. Com sua voz mansa, querendo parecer humilde e ganhar a simpatia alheia, Landa tenta mascarar seu ar de superioridade para envolver as pessoas em sua conversa e extrair informações. No entanto, é um pouco traído por seu sorriso debochado, sempre estampado em seu rosto.
A verdade é que o conhecido “Caçador de Judeus” (alcunha dada por seus inimigos e que Hans Landa jura não gostar, embora, do alto de sua vaidade, adore o apelido) é dono de uma mente engenhosa, manipuladora, além de ser um homem totalmente dissimulado. Ele parece encarar seu trabalho como um jogo, onde precisa ser estratégico para vencer os desafios. E isso o diverte muito mais do que deveria.
Waltz emprestou a Landa não apenas sua facilidade com idiomas (em Bastardos Inglórios ele fala 4: alemão, inglês, francês e italiano) como também seu talento para o tom irônico do personagem, se mantendo na linha entre o amedrontador e o cômico. Seus gestos afetados, o jeito de rir, os trejeitos quase teatrais passam a percepção de um homem excêntrico, que impõe um senso de autoimportância até enquanto come um strudel com Shosanna (Mélanie Laurent) — e se delicia com o semblante obviamente pouco à vontade da moça. Ele gosta de sentir o impacto que causa nas pessoas, principalmente quando esse feito é sinônimo de desconforto.
Apesar da pose e de estar mais acostumado a mandar, o alemão também sabe ser violento com as próprias mãos. A cena em que enfrenta Bridget von Hammersmark (Diane Kruger) demonstra uma fúria repentina, da qual ele se recobra assim que termina o serviço. “Você sabe que minhas brincadeiras são afiadas”, ele havia dito à atriz alguns momentos antes. Mal sabia ela — e o espectador — que aquilo não era apenas uma provocação despretensiosa, e sim um aviso.
O coronel nazista é o contraponto perfeito do Tenente Aldo Raine, personagem de Brad Pitt, que está à frente dos chamados “Bastardos”. Apesar de Raine também ser capaz de atos bastante cruéis contra o inimigo (que eram capazes de ações igualmente desumanas e muito mais covardes, então o tenente e sua tropa são facilmente perdoados pelos olhos do público), ele carrega um jeito um tanto apatetado dos “red necks”, com uma autoconfiança tipicamente americana. O tenente também parece fazer seu trabalho em nome de uma vingança pela honra de um povo, seguindo quase que um código de conduta. Do outro lado está Landa, que logo descobrimos não estar preocupado com nenhum tipo de princípio desde que ele possa colher os frutos da glória e superioridade. Ele é tão esperto que geralmente pensa a frente de seus inimigos declarados e, quando mesmo esse dom não é suficiente para evitar uma derrota alemã, arruma um jeito de se beneficiar o máximo possível da situação.
O problema é que Hans Landa passa o filme todo se achando esperto demais; e talvez ele tenha mesmo sido o mais esperto de sua turma por um bom tempo. Ele até se rende aos americanos ostentando seu típico sorriso no rosto. Mal sabia ele que, diante de quem está movido por vingança e honra, toda a engenhosidade de suas ideias não significa nada. O que importa é o que já está feito; as milhares de vida que ele ajudou a tirar. Então descobrimos um Landa assustado: seu mundo caiu. Seus gritos tornam o final do filme tão marcante quanto a suástica que é desenhada em sua testa.