Sci-Fi | O Homem Que Caiu na Terra

 

Como já mencionado antes nesta seção, a ficção científica é um gênero que pode servir para analisar conceitos abstratos e complexos, uma ferramenta para contestar o status quo, como também uma autoanálise da espécie humana por meio do extraordinário num futuro nem sempre distópico, com um design que pode ou não abusar de elementos futurísticos.

Adaptação direta do livro homônimo de 1963 de Walter Tevis, O Homem que Caiu na Terra herda toda a ideologia praticamente inerente da Guerra Fria, onde o pessimismo existencial, a busca por um sentido e a preocupação com o meio ambiente eram vertentes cada vez mais intensas em obras tanto literárias como cinematográficas.

A obra de 1976 dirigida por Nicolas Roeg abraça todos esses assuntos através de um estilo visual bastante conceitual que consegue dialogar com competência a própria estrutura narrativa do roteiro de Paul Mayersberg.

A escolha de fragmentar a história em blocos de maneira não-cronológica (isso influenciou uma geração de cineastas e alguns exemplos estão em Amnésia, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e na obra-prima lynchiana Cidade dos Sonhos) poderia confundir muitos espectadores, porém, com a ajuda da espetacular montagem de Graeme Clifford não é o que ocorre; pelo contrário, além de criar um viés experimental, ainda existe uma coerência e lógica dramática suficiente para compreendermos tudo que presenciamos em quase 2 horas e 20 minutos de duração.

Entretanto, falar de O Homem que Caiu na Terra e não mencionar o gênio David Bowie é uma tarefa que beira o impossível, já que o famoso artista britânico tem sua primeira oportunidade de atuar como protagonista de um filme aqui.

Sua interpretação como um alienígena que vem para a Terra à procura de água para salvar seu planeta natal não poderia ser mais perfeita, uma vez que se encaixa, principalmente no âmbito visual com os olhos de cores diferentes e o cabelo alaranjado, com a persona artística denominada Thin White Duke do disco (do mesmo ano) Station to Station — portanto, é nada menos que natural escolher Bowie para o papel por justamente já ter criado algumas personalidades performáticas com essa essência extraterrestre.

O mais interessante do arco do personagem principal é que o mesmo, de modo gradual, vai se tornando cada vez mais humano, onde a melancolia latente é vista através das poucas palavras, a postura que valoriza seu corpo magro e pálido, além da constante lembrança de sua família muito distante — ainda que encontre momentos de pura paixão e prazer com Mary Lou (Candy Clark) em cenas que exploram os corpos e, consequentemente, o sexo, sem medo de sofrer uma rejeição do estúdio ou até mesmo do público.

A direção projeta essas mesmas lembranças como se fosse um fluxo emaranhado de pensamentos, deixando o espectador refletir se é um mero flashback que se passa dentro da cabeça do protagonista ou se é mais um pedaço da trama contada de forma pouco ortodoxa.

O diretor também distorce a imagem para representar a visão e perspectiva perturbada da personagem feminina ao presenciar o verdadeiro aspecto do estrangeiro, fazendo com que o nosso olhar do século XXI (em relação à concepção tanto narrativa quanto estética) compreenda que o filme é uma cápsula que sintetiza perfeitamente o que foi a década de 1970.

Como se não bastasse, essa ficção científica alerta e flerta com o viés ecológico, a face filosófica da identidade e influência do indivíduo diante de seu meio, como também faz uma crítica social ácida (mesmo que óbvia por causa de alguns diálogos) sobre o consumo excessivo que nada faz mais que alienar e transmutar por completo a pessoa em questão.

Tanto que não é por acaso que o título faça questão de evidenciar que quem caiu na terra é um homem e não um alienígena, ainda que esteja condenado a ver todos ao seu redor envelhecerem.

Nota: ★★★★✰

 

 

 

Ficha técnica

Nome original: The Man Who Fell to Earth

Ano: 1976

Direção: Nicolas Roeg

Roteiro: Paul Mayersberg (adaptação do livro de Walter Tevis)

Elenco: David Bowie, Rip Torn, Candy Clark, Buck Henry, Bernie Casey, Tony Mascia, Adrienne Larussa, Jackson D. Kane, Rick Riccardo

Fotografia: Anthony B. Richmond

Design de Produção: Brian Eatwell

 

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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