Brazuca | Bacurau

 

Bacurau é um filme que, para quem é brasileiro, vai significar muito, mas para os nordestinos, esta obra vai muito além. É intrigante que uma obra tão particular, contenha alegorias que fazem com que todos possam compreender sua mensagem. E, logo na primeira cena, vemos um caminhão pipa com dificuldades de desviar de buracos em uma rodovia que dá acesso à cidade homônima ao longa.

Nessa mesma rodovia, um acidente faz com que, junto a um motoqueiro, vários caixões fossem espalhados na estrada. Apesar de ser uma imagem rotineira no dia-a-dia de nós, brasileiros, ao passar por esta cena o caminhão entra em uma estrada de terra, para enfim chegar a seu destino, quase como se fosse a morte chegando até Bacurau.

O filme faz questão de trabalhar boa parte de sua narrativa nos detalhes, seja uma pequena frase (“bacurau não é passarinho, é pássaro”); ou em uma reportagem na TV de execuções públicas em São Paulo. Mostrando como o país está em meio a uma divisão extrema, mas que na realidade se parece muito com o que ocorre hoje em dia, feitas por autoridades da lei em várias favelas no país.

O filme se passa alguns anos à frente, mas vemos espelhos desse mundo com o atual Presidente do Brasil, que legitima ações como execuções a sangre frio, e esse tipo de ação faz com que inocentes tenham seu sangue derramado, pois a lei é o Estado e a execução é pela sua cor ou poderio econômico.

É impressionante a naturalidade com que o Bacurau transita pelos gêneros: uma hora é um western; em outro momento nos pegamos em um horror. É algo extremamente difícil de se por em prática, mas que os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles conseguem fazer de forma primorosa.

Isso se dá pelo fato de eles tornarem a própria cidade em sua protagonista, e não deixando tudo nas costas de um personagem humano. Fazendo isso, abre-se espaço a diversos tipos de personalidades diferentes — e o fato de ter escolhido não-atores para figurantes dá uma força maior à trama, já que isso complementa a naturalidade que ambos diretores querem valorizar em sua obra.

O filme sabe onde bater e bate onde mais dói, principalmente para os apoiadores do atual presidente, Jair Bolsonaro, que entre outras coisas, já se mostrou extremamente preconceituoso com os povos do nordeste — e os diretores criam toda uma alegoria em uma simples cena para expor isso, na qual os dois personagens sulistas interpretados por Karine teles e Antonio Saboia, falam para um grupo de norte americanos/europeus que são de uma região mais rica do país. Toda essa cena tem uma conclusão espetacular, que por motivos óbvios não irei revelar, mas que, ao mesmo tempo que nos dá uma sensação de raiva, nos passa uma estranha satisfação.

Outro ponto em que o filme faz questão de focar bastante, é na existência do museu da cidade, dando mais ênfase em seu protagonismo, e o público vai ficando cada vez mais intrigado ao ver o quão valorizado é aquele pedaço de Bacurau, mesmo sendo um casebre bastante simples.

O outro contraponto é notar que a história, a educação e a saúde daquele povo, são alvos de mais atenção dos moradores do que a igreja, esta que sempre está vazia; mas na escola os mais velhos se esforçam em educar os mais novos; no posto de saúde, a doutora Domingas (Sônia Braga) está sempre disposta a ajudar a todos; e a própria história que todos ali valorizam tanto.

Bacurau é um símbolo de força de um povo e de sua luta, de nunca entregar nada de mãos beijadas, de sempre confrontar aqueles que nos enxergam apenas como produtos, como uma população que tem que ser explorada. É sobre a personalidade de toda uma região, que sempre é discriminada, mas que valoriza bastante seu aprendizado e cultura. E para todos aqueles que desmerecem esse povo e fazem questão de dar força a um discurso de um presidente que seleciona a dedo quem merece ter um direito mínimo de cidadão, ou que vende as terras deles para quem quer que seja, esse filme é um soco na cara. Provavelmente a obra nacional mais importante dos últimos anos.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Direção: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho

Roteiro: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho

Música: Mateus Alves, Tomaz Alves Souza

Elenco: Sônia Braga, Silvero Pereira, Barbara Colen, Karine Teles, Julia Marie Peterson, Thomas Aquino, Antonio Saboia, Udo Kier

Fotografia: Pedro Sotero

Montagem: Eduardo Serrano

Figurino: Rita Azevedo

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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