Descubra um Clássico | Profissão: Repórter (1975)
Michelangelo Antonioni é um daqueles artistas sagrados para a sétima arte por criar uma nova forma narrativa de realizá-la, se recusando a fazer filmes sobre o proletariado e luta de classes para abordar e criticar a efêmera burguesia, renegando as normas do movimento neorrealista típico do contexto pós-guerra (que tem como uma das vertentes fazer um paralelo entre o indivíduo e sociedade em questão) para elaborar um ensaio imagético sobre o âmago desse mesmo indivíduo.
Depois do grande sucesso artístico com a denominada trilogia da incomunicabilidade (A Aventura, A Noite e O Eclipse) e exemplares como O Deserto Vermelho e Blow-Up – Depois Daquele Beijo (filme que lhe rendeu a Palma de Ouro em Cannes e duas indicações ao Oscar), o diretor-roteirista italiano junta forças com Jack Nicholson (ator que que estava no auge da carreira e que contava já com 4 indicações para a estatueta dourada) e a francesa Maria Schneider para mais uma vez explorar o sufoco e pressão que os tempos modernos proporcionam.
E nessa obra de 1975, esse tema sobre a falta de comunicação se repete, porém, com mais algumas importantes camadas. Para fugir da excruciante rotina que vai do casamento fracassado até sua profissão de repórter, Locke encontra a oportunidade perfeita para ser outra pessoa, onde descobre que o morto que residia no hotel traficava armas para os guerrilheiros da região.
A narrativa pouco se preocupa nos desdobramentos das situações que possam flertar com o thriller investigativo; na verdade Profissão: Repórter usa a linguagem visual em seu favor para se estruturar e mergulhar no abstrato, onde os acontecimentos que vão se sucedendo são triviais se observados num escopo maior — algo que Antonioni (de maneira constante) tenta executar, ainda que exista a presença de diálogos pontuais para captar o que quer dizer.
Com isso, o diretor trata desses temas com sua veia usualmente filosófica e existencialista. Já em seu início, estabelece-se a essência do protagonista num cenário deserto em algum local da África em que poucas palavras são proferidas para, com o decorrer da trama, o vermos em cidades como Londres e Barcelona que retratam sua euforia de se redescobrir naquele meio.
E a cena em que o personagem principal movimenta os braços fingindo estar voando parece ser o momento que melhor representa essa noção de liberdade passageira, que é reforçada com o mar azulado embaixo dele.
Por ser filmado totalmente em locações, a sensação de crueza e visceralidade é palpável. Antonioni, em uma entrevista na época do lançamento, declarou que a realidade é imprevisível, portanto, a ideia de sua mise-en-scène ser concebida em estúdio é impossível porque acaba sendo, no final das contas, algo mais calculado que o necessário.
Entretanto, ainda no que condiz com a diegese daquela história, existe outra perspectiva ao visualizarmos dois documentários que desafiam a metalinguagem: uma filmagem do protagonista sobre a África e uma do próprio diretor sobre o anti-herói, quase como se relacionasse a visão do artista com a própria figura fictícia criada, ainda que já tenha afirmado que não há qualquer resquício autobiográfico.
Ao longo dessa pequena aventura, nota-se o viés pessimista inundando cada segundo da película que nos informa que estamos eternamente fadados a uma espécie de conformidade, não havendo qualquer possibilidade de escapatória que, por consequência, nos leva à angústia. E tais conceitos são bem ilustrados com o monólogo sobre o cego que, após 40 anos, entra em puro êxtase ao enxergar, mas passa a sentir medo por conta de toda a feiura do mundo.
Finalizando com um plano-sequência deslumbrante (talvez o segmento mais memorável da carreira de Antonioni) que enquadra todos os personagens diante da grade da janela que simboliza essa prisão metafórica da vida (conseguimos ver até um personagem pelo reflexo da janela que presume-se ser o assassino) em que estamos inseridos, Profissão: Repórter é um filme atemporal por sintetizar o dilema em que a espécie humana está condenada a carregar pelo fato de simplesmente existir.
Nota: ★★★★★
Ficha técnica
Nome Original: Professione: Reporter
Ano: 1975
Direção: Michelangelo Antonioni
Roteiro: Mark Peploe, Enrico Sannia e Michelangelo Antonioni
Elenco: Jack Nicholson, Maria Schneider, Jenny Runacre, Ian Hendry, Steven Berkoff
Fotografia: Luciano Tovoli
Montagem: Michelangelo Antonioni e Franco Arcalli