Cine Ceará | A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia

Dia 05

Por Tiago Araújo

O texto a seguir possui spoilers. Leia por sua própria conta e risco

A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia

A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia é um filme pautado em recomeços, na procura para se iniciar uma nova vida e deixar para trás as tristezas e problemas. Celeste, ironicamente, é uma funcionária de um planetário e trabalha explicando sobre os planetas e constelações todos os dias. Sua vida parece monótona, desconhecida, entregue à rotina e frustrações. Até mesmo o seu filho parece não se importar tanto com a presença da mãe, fato esse constatado por uma breve cena em que o jovem mal olha em sua cara e fica jogando videogame, tornando sua presença invisível na sala. O único que parece ser mais atencioso com Celeste é Augusto, um simpático açougueiro. Seguindo as regras do cinema clássico, Augusto não será esquecido pelo roteiro. Guardemos essa informação, por hora.

Em uma cena curiosa, Celeste olha pela janela e o diretor Arturo Infante mostra em um plano de conjunto diversas figuras vestidas de preto e com cabelos engraçados. Uma espécie de carta é deixada na mesa da protagonista. Com essas ações, o roteiro pavimenta o seu caminho para uma revelação que modifica o teor da narrativa, um ponto de virada do roteiro clássico, onde o filme deixa de ser um drama simples e passa a ter um frenesi um pouco diferente. Na TV é anunciado que ETs querem levar pessoas em suas naves para conhecer seus planetas e que os escolhidos serão sorteados. A montagem traz diversos possíveis candidatos àquelas vagas nas próximas cenas, mostrando que todos os olhos estão virados para essa informação, afinal, quem não gostaria de mudar de vida dessa forma? Deixar tudo para trás?

Celeste, desconfiando que sua vizinha é de fato uma ET, leva a carta deixada por ela. A personagem parece predestinada a seguir esse rumo diferente, descobrindo que a carta é um convite para a viagem. A indecisão permanece, exposta na cena em que a protagonista olha por alguns segundos para o filho na plataforma de embarque do trem para a base de aterrissagem dos aliens. O jovem simplesmente some, o que torna a sua decisão assertiva, ela precisa do recomeço. O roteiro teria dois caminhos para seguir daqui. Ou ele usa dos flashbacks para expor o passado de maneira mais clara ao espectador, aliado à jornada de Celeste e suas novas descobertas, ou ele deixa os dramas mais profundos de Celeste presos na personagem, podendo retomá-los por meio do diálogo. O primeiro caminho foi a escolha de Arturo Infante, também roteirista do filme.

Apesar de normalmente achar flashback um recurso preguiçoso de construção, eu admito que me rendo quando o diretor me mostra que o seu encaixe é importante. No caso dessa obra, como as ações passadas se desenvolvem de maneira visual, é fundamental para trazer mais peso e estofo à jornada de Celeste. A personagem tem em seus demônios a justificativa perfeita para todo o abandono construído até aqui, o convincente “nada a perder”.

Celeste, portanto, pega um trem para seguir rumo à base. Aos poucos ela vai se envolvendo com pessoas novas e as conhecendo. A amizade da protagonista com Héctor Francisco, um cantor renegado, Perlita, uma engraçada e solitária figura, e Mirta, uma mulher que afirma estar grávida de um alien, é onde reside o ponto mais humano do filme. Um diálogo entre os 4, onde cada um conta suas expectativas e sonhos para o futuro, é um dos momentos onde mais podemos ver por baixo de suas superfícies. Enquanto o filme passa, toda a estadia na base vai se tornando um divertido e engraçado exercício de simulação e treino, ao passo que serve como um bem-vindo reduto de desenvolvimento de personagens.

Nessa base, Celeste reencontra Augusto. Sim, o Augusto do inicio do texto. Aqui ele demonstra mais interesse na protagonista e o relacionamento dos dois começa a aflorar. O filme organicamente caminha para um final tenso e um tanto emocional, que envolve surpresas e partidas. Celeste acaba ficando, contra a sua vontade. Triste, ela volta à cidade de origem, até que descobre que Augusto resolve desistir da viagem para dar essa chance aos dois. A percepção da protagonista aqui já se modifica. Não é preciso uma viagem interdimensional, uma fuga da realidade. Só o que se precisa para instalar uma nova vida é dar uma chance aos pequenos acasos, fortuitos, que acontecem conosco, lutar para que cada coisa boa se estenda e nos faça bem.

Com um roteiro muito bem escrito e consciente das decisões dramáticas que toma e uma direção que compreende perfeitamente o timing da comédia, transitando muito bem entre ela e a tragédia, A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia é, talvez não um dos grandes destaques, mas sim uma das boas descobertas que o festival proporcionou.

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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