Nos Cinemas | Coringa

 

Por mais que o Coringa seja um dos personagens mais populares da cultura pop, sempre é interessante acompanhar releituras do mesmo, seja em um universo isolado de seu arquirrival ou em um contexto de conflito entre os dois. Aqui o diretor opta em acompanhar Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) de um modo mais introspectivo, explorando seus traumas diários e a sua dificuldade de se socializar.

Tendo isto em vista, Todd Phillips consegue tirar coisas boas em relação ao personagem, principalmente quando é para se exigir o trabalho de Joaquin Phoenix, que nos entrega uma atuação brilhante com um trabalho minucioso em todos aspectos físicos possíveis. Sua magreza, seu andar que parece muito com de uma pessoa quebrada fisicamente, meio curvado e ombros caídos, e é claro, a icônica risada amedrontadora, mas isso é só o cume do iceberg de sua atuação que segue algo bem mais profundo e introspectivo. É interessante observar o trabalho de Phoenix no olhar de Arthur, que em certas partes parece perdido, expõe sua solidão social, mas em contraponto existem momentos que seu olhar fica vivo, cheio de esperança.

Algo que complementa ainda mais a deprimente vida de Arthur é toda cidade de Gotham que enfrenta uma crise extrema com a greve dos catadores de lixo, transformando a cidade em algo grotesco e ameaçador. Nos é mostrado uma divisão social que só aumenta, onde as pessoas vivem na pobreza e cada vez mais se sentem piores por ver figurões como Thomas Wayne (Brett Cullen) cada vez mais rico e se aproveitando da oportunidade de se lançar como candidato a prefeito.

É curioso que desde o início do filme, notamos que Arthur é solitário, apesar de ter a companhia da mãe. O protagonista nunca parece se sentir apoiado por alguém, o isolando do mundo e o quebrando cada vez mais. E em dois momentos-chave temos essa quebra definitiva, do qual o personagem encontra através da morte, um gosto que ele jamais sentira antes: o prazer de viver.

A música é um ponto importante no complemento do personagem, já que na maioria das vezes que o mesmo está no auge de seu descontrole, surge uma música melancólica, numa tentativa de manipular sentimentalmente o público para que os seus atos não o juguem como alguém detestável, mas sim como algo a ser entendido, porém, isso acaba sendo um “tiro no pé”, já que a narrativa tenta fazer com que o público possa se simpatizar com todos aqueles atos horrendos.

Sempre que o personagem faz algo detestável, a equivocada escolha do diretor de aliviar com situações cômicas tiram um peso que seria necessário para que todos levassem o que acabou de ocorrer a sério. Contudo, o que acontece é que muitos vão enxergar aquilo como algo completamente normal e que se pode sim rir após atos terríveis — muitas vezes engatilhando pessoas que já tem tendências para atos abomináveis a fazê-los.

O fato da obra também (de forma equivocada) mostrar que a luta social só pode ser vencida através de atos anarquistas ou por meios parecidos é extremamente perigoso, uma vez que vivemos num mundo de extremos; e esse tipo de caminho não só irá aumentar mais a desigualdade social, como só irá piorar a situação da população mais desprovida de oportunidades.

São assuntos que não devem ser ignorados, mas sim debatidos. E a forma como a obra os trazem à tona chegam a ser irresponsáveis. Claro que não torço para que o filme seja censurado ou limitado, mas o que se deve ser feito é que os responsáveis repensem nas formas de abordagens sobre assuntos tão delicados. E nunca responsabilizar apenas um filme sobre casos que, infelizmente, ocorrem com certa frequência no mundo atual.

Devemos nos lembrar que essas pessoas sempre irão encontrar algo para se apoiar, justificando seus atos terríveis através das coisas mais fúteis possíveis, mas devemos sempre nos conscientizar sobre o quão horrível é ver uma pessoa ferindo outra e que, a partir do momento em que procuramos amenizar barbáries para exaltá-las, este caminho provavelmente nos levará a uma tragédia.

Coringa não é uma obra que me tenha causado uma experiência agradável. Tem boas decisões, como Joaquin Phoenix em um trabalho excelente, dando vida de forma amedrontadora a um dos vilões mais marcantes da cultura pop. Entretanto, ao mesmo tempo, tem um contrapeso de deixar passar a oportunidade de debater assuntos importantes para exaltar um personagem que pode ser usado como espelho por muitas pessoas ruins.

Nota: ★★✰✰✰

 

 

 

 

Ficha Técnica

Título Original: Joker

Direção: Todd Phillips

Roteiro: Todd Phillips, Scott Silver

Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham, Bill Camp, Glenn Fleshler, Leigh Gill, Josh Pais

Fotografia: Lawrence Sher

Música: Hildur Guðnadóttir

Montagem: Jeff Groth

Figurino: Mark Bridges

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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