Horrorscópio | Um Lugar Silencioso
Se em frente às câmeras John Krasinski teve destaque principalmente em comédias, tanto no cinema, quanto na TV, sua relevância enquanto diretor e roteirista foi comprovada em um filme carregado de tensão. Diferente de suas empreitadas anteriores, a dramédia A Família Hollar (2016) e o menos conhecido Brief Interviews With Hideous Men (2009), em Um Lugar Silencioso Krasinski explora as relações humanas em uma realidade onde o silêncio deve imperar e um simples “eu te amo” não pode ser dito de forma audível.
O filme inicia nos informando que já se passaram quase 90 dias de uma realidade sinistra que se instalou e fez muitas pessoas perderem a vida. Em momento algum é objetivo do longa esclarecer, detalhadamente, a situação em que se encontra o mundo, tampouco os motivos dos acontecimentos que antecedem o início da narrativa. O espectador logo é inserido na dinâmica de uma família que tenta sobreviver silenciosamente, a única forma de se manter minimamente em segurança, já que é o som que atrai as misteriosas criaturas e, por consequência, a morte. A partir daí, se instala uma aura de tensão quase ininterrupta e um silêncio amedrontador permeado apenas por sons baixos e da natureza e pela trilha de Marco Beltrami, que confere um clima ainda mais carregado às cenas.
Por alguma ironia da vida, a filha mais velha do casal (Millicent Simmonds) tem um problema auditivo severo que parece ser de nascença – visto que toda a família se comunica bem por linguagem de sinais, até mesmo os mais novos. Ainda que em alguns momentos possa parecer estranho que a garota, mesmo com a audição prejudicada desde o nascimento, tenha tanta noção de como não fazer barulho, essa possível falha é facilmente perdoada graças à expressividade do elenco, que desvia a atenção dos absurdos e pontos fracos cometidos no roteiro e traz para si o foco. Aqui temos o próprio John Krasinski que, além de dirigir e ser um dos roteiristas do filme, vive também Lee Abbott, um pai protetor e que tenta dar o mínimo de normalidade à vida de seus filhos juntamente com Evelyn (Emily Blunt), uma mãe amorosa e dedicada. Destaca-se também o garoto Noah Jupe, que faz o filho do meio, Marcus, e Simmonds como Regan.
Se o trabalho de expressão corporal e facial é o grande elo de comunicação com o espectador e impressiona por funcionar tão bem, a ambientação vem como a “cereja do bolo”. A mise-em-scène permite contar um pouco do que ocorreu, mas, sobretudo, revela como aquela família vive e traços íntimos e importantes de seus componentes. O uso do som a partir da perspectiva dos personagens também é um dos grandes trunfos e contribui bastante para a atmosfera misteriosa, fazendo com que o público seja transportado para aquela realidade. Como já foi mencionado, o foco está principalmente nas relações humanas, mas as doses de suspense ainda assim são generosas, com jump scares e, principalmente, com o tom crescente de pavor que mexe com o psicológico não só da família, como do espectador. Acredite: até o som de uma embalagem sendo aberta na sala de cinema em determinados momentos pode causar um sobressalto.
A comunicação e o som fazem parte da vida. Possivelmente, não damos tanto valor aos sons do nosso dia a dia, por serem corriqueiros; não damos valor à capacidade de nos comunicarmos através da voz. Certamente, tudo isso seria bastante valorizado a partir do momento que essas possibilidades fossem arrancadas de nós. Poder se comunicar faz parte do sentir-se vivo, mas, na situação abordada pelo filme, o silêncio é imprescindível para a sobrevivência. O resultado desse embate constante entre permanecer vivo e se sentir vivo, essa dualidade entre viver em um silêncio mortal ou morrer pelos sons normais à vida e à existência, torna o filme de Krasinski ainda mais interessante.
Regan, por exemplo, tem o seu lado adolescente, que não deixa de existir simplesmente porque as circunstâncias do mundo mudaram e muito menos por a garota ter uma deficiência; os ímpetos da adolescência apenas afloram de uma forma diferente. O pai, por sua vez, parece demonstrar força em frente aos filhos e está em uma busca incessante por uma forma de manter todos a salvo. Ao mesmo tempo, ele vacila em suas emoções – um misto de esperança, culpa e uma certa impotência diante da situação.
Todos parecem carregar estes sentimentos e, apesar da possibilidade da comunicação por sinais e outros gestos, acabam guardando seus fardos para si. No fim das contas, são as verdades não ditas, os desabafos não feitos e palavras não proferidas que tornam todo o silêncio ainda mais sombrio.
Nota: ★★★★✰
Ficha técnica
Um Lugar Silencioso (A Quiet Place)
Ano: 2018
Direção: John Krasinski
Roteiro: Bryan Woods, Scott Beck e John Krasinski
Elenco: John Krasinski, Emily Blunt, Millicent Simmonds, Noah Jupe
Trilha sonora: Marco Beltrami
Fotografia: Charlotte Buus Christensen
Esse filme ainda não saiu da minha cabeça. As relações entre o silêncio da obra e o silenciamento que vivemos na sociedade são fáceis de serem relacionados. Pretendo em breve revê-lo.
Beijinhos Rose