Descubra Um Clássico | Bom Dia, Tristeza (1958)
Cécile (Jean Saberg) é uma garota mimada que, do alto de seus 17 anos, divide com seu pai, o playboy Raymond (David Niven), o gosto pela vida de festas, paixões fugazes e despreocupação. Assim, ela leva a vida até o reaparecimento de Anne (Deborah Kerr), uma amiga de sua falecida mãe, que traz valores completamente diferentes. Anne é uma mulher batalhadora, independente e centrada. Cécile tem somente uma certeza: seu modo de vida com o pai está ameaçado e isso ela não irá aceitar.
Adaptado do livro homônimo de Françoise Sagan, que tinha apenas 18 anos quando o romance (um sucesso instantâneo na época) foi lançado, o filme não recebeu a mesma atenção e permanece como um título menos destacado na obra do diretor Otto Preminger (de Anatomia de um Crime [1959]) e do roteirista Arthur Laurents (de Festim Diabólico [1948] e Amor, Sublime Amor [1961]).
Talvez nada machuque mais o ser humano do que ter apontado um defeito que realmente se tem e ser obrigado a reconhecê-lo — é esse o motor de Bom Dia, Tristeza, um filme essencialmente sobre máscaras, sentimentos e autoconhecimento. Como continuar sendo a mesma pessoa depois de perceber tais defeitos, e ver que o que foi feito para protegê-los causou danos ainda maiores? Essa pergunta não serve apenas para Cécile. De alguma forma, todos — ou quase todos — os personagens em cena parecem lutar consigo mesmo e com o mundo; tentar nadar contra a maré e, mais que isso, tentar fazer com a corrente mude de direção.
Raymond, apesar de ser o pai, não tem uma representação paterna para a personagem de Saberg. É exatamente quando parece que ele vai começar a se comportar como tal que a grande revolta de Cécile toma forma. Isso porque a garota de espírito livre e fútil se recusa a ser controlada e, pior ainda, a ser obrigada a olhar para si mesma e para a sua vida com o mínimo de maturidade que seus 17 anos já deveriam lhe proporcionar. Essa recusa fica óbvia, também, quando é mostrado que Cécile evita voltar aos estudos de filosofia para refazer um teste no qual falhou — apesar de ser bem inteligente, as responsabilidades e as questões profundas estão além de seus interesses, o que a torna uma cópia feminina de seu pai. Qualquer situação que beire a reflexão é deliberadamente deixada de lado. Até mesmo as superstições da personagem demonstram como ela sempre espera que o universo conspire a seu favor.
Se a divertida Elsa (Mylène Demongeot) aparenta ser uma das pessoas mais transparentes em cena com sua “cabeça de vento” e seu mundinho “brilhante”, a personagem de Kerr, com toda a sua elegância e autoconfiança, também guarda suas fragilidades bem escondidas. Aliás, o filme merecia ter alguns minutos adicionais para que essas duas personagens, em especial Anne, fossem exploradas um pouco mais profundamente. O longa, como um todo, se prende muito em suas sutilezas, o que quase nunca é um recurso ruim, mas, quando excedido, arrisca que algumas das camadas da narrativa passem despercebidas ao público.
Bom Dia, Tristeza conta com dois coringas que lhe conferem seu charme: um deles é sua lindíssima canção, Bonjour Tristesse, interpretada pela cantora e atriz francesa Juliette Gréco. A outra é a fotografia, que alterna cenas coloridas, contando a história do verão anterior na Riviera Francesa; e em preto e branco para marcar a melancolia de um presente cheio de lembranças que precisam ser deixadas para trás.
Mas, aqui volta a pergunta: como deixar aquele verão para trás? Como Cécile e Raymond poderiam continuar sendo os mesmos e levando a mesma vida depois de todos os eventos? As emoções, boas ou ruins, que aquele verão os proporcionou tornam o presente realmente sem cor, sem estímulo, um tédio. Como colocar sua máscara de felicidade e despreocupação novamente, quando, todos os dias, Cécile desperta dando bom dia à sua tristeza e a seus arrependimentos?
Nota: ★★★★✰
Ficha técnica
Bom Dia, Tristeza (Bonjour Tristesse)
Ano: 1958
Direção: Otto Preminger
Roteiro: Arthur Laurents, baseado no livro de Françoise Sagan
Elenco: Jean Saberg, David Niven, Deborah Kerr, Mylène Demongeot
Trilha sonora original: Georges Auric
Fotografia: Georges Périnal
Montagem: Helga Cranston